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A Guerra na Ucrânia terá fim?

05/07/2022

Em 9 de março passado esta coluna especulava que a Guerra na Ucrânia, já então em sua segunda semana de duração, não duraria muito mais tempo. Contudo, decorridos quase quatro meses e meio desde seu início o conflito não dá sinais de que vá terminar. É importante examinar as alterações ocorridas desde então no campo de batalha em paralelo aos condicionantes ditados pelo contexto geopolítico a fim de tentar estabelecer em que circunstâncias a guerra poderá chegar ao seu desfecho – se houver. Já não se pode descartar de forma alguma que o conflito se estenda indefinidamente no tempo, como ocorreu com os conflitos em que os EUA se envolveram como a Guerra do Vietnã (1961-1973) ou no Afeganistão (2001-2021). Em apoio a esta hipótese deve-se considerar que o prolongamento da guerra está atendendo aos interesses dos rivais dos Estados Unidos da América e seus aliados na luta pela hegemonia mundial, a começar pela própria Rússia.

A Guerra da Ucrânia teve início em 24 de fevereiro. A invasão russa da Ucrânia foi desfechada de três frentes. Uma frente foi aberta do Norte a partir da Bielorrússia para atingir a capital Kyiv e outra do Nordeste contra a cidade de Kharkiv. Também foi lançada uma ofensiva russa na frente Sudeste com duas pontas de lança separadas: uma da Crimeia e outra do Sudeste em Luhansk e Donetsk. Tais regiões já haviam sido parcialmente ocupadas pela Rússia desde 2014.

A situação estratégica da Ucrânia foi, desde o início do conflito, muitíssimo desvantajosa. Ao tomar posse da Península da Criméia em 2014 a Rússia estabeleceu o controle sobre os acesos aos maiores portos da Ucrânia. Desde a recente queda da cidade de Kherson se espera a tomada pela Rússia também do porto de Odessa, liquidando de forma definitiva com o acesso da Ucrânia ao mar.

Em 8 de abril, todas as tropas no sudeste da Ucrânia se uniram as unidades da frente norte e nordeste recém-transferidas para este setor. O cerco parcial de Kyiv foi abandonado pelos russos, provavelmente para não inviabilizar o funcionamento do governo Zelensky, única instância de poder ucraniana capaz de pôr fim imediato à guerra através da aceitação dos termos dos invasores. É importante lembrar que um procedimento idêntico foi adotado na Guerra da Georgia em 2008 quando os russos invadiram o país, mas pararam suas tropas antes de chegar à capital, na expectativa de vir a ser proposto um cessar-fogo vantajoso que, de fato, foi firmado com o governo daquele país logo em seguida. Não se pode desconsiderar a possibilidade do governo Zelensky ser derrubado por um golpe de Estado ou uma revolução popular, o que poria fim imediato à guerra.

A partir de 8 de abril todas as linhas de frente de invasão russas se uniram numa só criando oportunidades de cerco de tropas ucranianas comprometidas com a defesa de cidades importantes. A concentração de forças russas na tomada das províncias separatistas deu resultado. Recentemente foi anunciada a libertação dos territórios da República Popular de Luhansk das forças ucranianas. Neste ritmo não é impossível que, dentro de um ou dois meses, o mesmo venha a acontecer na República Popular de Donetsk.

A perda de acesso ao mar e a continuidade da guerra são graves do ponto de vista econômico para a Ucrânia. Desde fevereiro se verifica a paralização da economia ucraniana, impedida tanto de exportar suas colheitas quanto de iniciar o plantio de novas safras. A crise de combustíveis paralisa as atividades industriais na Ucrânia. Já no segundo mês de guerra foi suspenso o abastecimento de veículos e maquinário de uso civil ucraniano. Quanto mais a guerra durar maior será a destruição da infraestrutura produtiva ucraniana com resultados trágicos.

Inversamente, a Rússia viu valorizar suas exportações, através da eliminação de seu rival econômico ucraniano. A exigência do pagamento em rublos pelos produtos russos de exportação valorizou a moeda nacional. Ao mesmo tempo o bloqueio dos depósitos russos em contas no exterior apressou o declínio do dólar estadunidense, desencadeando uma crise de confiabilidade auto infligida. O boicote dos EUA e seus aliados na OTAN às exportações russas mais prejudica a eles mesmos do que aos invasores da Ucrânia. Enquanto a guerra durar será impossível a Ucrânia aderir à OTAN ou a Comunidade Econômica Europeia. Nestes termos, o prolongamento da guerra é favorável aos interesses russos.

A posição russa parece ainda mais favorável se levarmos em conta a liquidação da ameaça de guerra bacteriológica provinda dos laboratórios de propriedade estadunidense na Ucrânia. Também se verifica a extinção da vulnerabilidade da Rússia aos misseis táticos da OTAN que viessem a ser instalados na Ucrânia. Se o prolongamento do conflito for condição para manutenção de tal situação estratégica vantajosa então os russos provavelmente optarão por prosseguir com a guerra.

As imensas desvantagens contra as quais a Ucrânia tem que lutar apontadas nesta coluna em “A Guerra na Ucrânia e seus resultados” publicada em 09/03/2022 seguem as mesmas (para ler a coluna clique aqui). É Impossível uma vitória ucraniana. A tão propalada ajuda militar da OTAN não se consumou tanto por dificuldades de ordem técnica quanto pela oposição militar russa, empenhada em destruir tais abastecimentos antes mesmo que cheguem às mãos dos ucranianos. A resistência ucraniana conseguiu diversos êxitos contra os invasores usando misseis portáteis antitanques e antiaéreos fornecidos pelos EUA, mas os estoques destas armas estão quase esgotados e não poderão ser repostos. Se calcula que o tempo necessário para a reposição dos mísseis Javelin e Stinger já fornecidos à Ucrânia consumirá até cinco anos de intensa produção industrial estadunidense.

Segue sendo esmagadora a superioridade numérica das forças armadas russas em todos os quesitos taticamente relevantes, em terra, mar e ar. Estima-se que 800 mil ucranianos mal armados, pouco treinados e escassamente equipados estejam enfrentando 190 mil russos, a maioria de alto nível profissional, bem equipados e bem armados. A superioridade russa em artilharia é de cerca de vinte vezes frente aos ucranianos. A força aérea ucraniana deixou de existir logo nas primeiras horas do conflito, se resumindo desde então apenas a ação de alguns poucos drones, em contraste com as centenas de missões de ataque desfechadas diariamente pelas aeronaves da aeronáutica militar russa. As perdas militares ucranianas são pelo menos cinco vezes maiores do que as russas. A logística russa tem se apresentado em alguns aspectos bem deficiente. Já a logística a ucraniana é praticamente inexistente. Os russos aparentam possuir recursos para prosseguir com a guerra indefinidamente.

Se o prolongamento da guerra atende aos interesses russos cabe especular sobre seus resultados. Parece óbvio que a guerra significa o fim da Globalização sob a hegemonia dos EUA, com a erosão do domínio do dólar estadunidense como moeda de referência para o comércio mundial. Pode-se presumir algum tipo de retorno aos Blocos de Moedas (1929-1945) rivais como o Bloco do Marco Alemão, da Libra Esterlina britânica, do Iene japonês etc. que antecederam a Segunda Guerra Mundial.

Os maiores perdedores serão – como já são – os europeus. No curto prazo terão de equacionar a crise humanitária provocada por quase dez milhões de refugiados ucranianos que buscam fugir da guerra, bem como a brutal inflação dos preços de combustíveis e alimentos antes provindos da Ucrânia e Rússia. A decadência da economia europeia levará ao declínio do Bloco do Euro, o qual deverá enfrentar enorme crise econômica e financeira pelos próximos anos. A continuidade da guerra está levando à erosão e desmoralização da liderança estadunidense, complicando a manutenção de seus sistemas de segurança e de seus aliados.

De inicialmente provisória pode-se presumir que, com o prolongamento da guerra, a aliança Sino-Russa se tornará permanente. Tal fato tornará ainda mais inevitável a formação de uma grande área de integração comercial econômica no Bloco Eurásia-África-Oceania, alheia ao dólar e, provavelmente, adotando em seu lugar um indicador de conversão do valor da moeda de cada país no pagamento das transações internacionais. Podem estar aí as bases de uma Nova Globalização – ou do retorno aos Blocos de Moedas que anteciparam a Segunda Guerra Mundial.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR, autor do livro História Contemporânea (IESDE) para adquirir clique aqui.

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