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28/04/2024



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A república dos governadores

 A república dos governadores

O período histórico designado como a Primeira República ou República Velha (1889-1930) também ficou conhecido como a República dos Governadores. A característica mais relevante do período é o monopólio do poder pelo governador de cada Estado. Daí deriva o caráter oligárquico, patrimonialista, elitista e antirrepublicano daqueles tempos. Naquela época a eleição do Presidente da República era resultado de um acordo político entre os maiores Estados da Federação, Minas Gerais e São Paulo, que se alternavam na indicação do ocupante do cargo. O contexto atual guarda semelhanças perturbadoras com aquela época. O exame da experiência internacional deve servir para levar à consciência sobre a necessidade de superar esta situação.

 

O atual regime constitucional instaurado em 1988 proporcionou novos recursos de poder aos governadores. A Constituição atribuiu aos Estados mais recursos financeiros e menos responsabilidades, aumentando a autonomia política dos governadores. Também criou as condições para o exercício do controle dos governadores sobre as bancadas estaduais e sobre o Judiciário.

 

O que se constata é que o Poder Executivo tem forte domínio tanto do processo de governo, quanto controle dos órgãos que deveriam fiscalizá-lo. Esse controle se manifesta na influência sobre a nomeação dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado e do Procurador-Geral do Ministério Público. Também se converteu em regra o controle da Assembleia Legislativa pelo Governador, a qual geralmente é reduzida a órgão meramente homologatório das suas decisões. Com tamanha concentração de poder na figura do governador, ocorre a hipertrofia do executivo que elimina o equilíbrio entre os três poderes. Certamente que a imposição de tal poder implica na permanente negociação entre executivo e legislativo. Mas isso se dá de forma intransparente e apenas no interesse dos envolvidos.

 

No que se refere às assembleias legislativas o resultado mais recorrente é o conhecido pacto homologatório. Por este mecanismo o governador realiza a cooptação de deputados através da destinação da aplicação de recursos públicos às suas bases eleitorais, ao mesmo tempo em que os isenta da responsabilidade para com as políticas que aprovaram. Em todo Brasil prevalece a regra do situacionismo, de forma que as assembleias em que o governador não tem domínio são exceções.

 

Também nas relações com os municípios o poder do governador se exerce sem qualquer freio ou contrapeso. Isso se dá devido à dependência dos prefeitos de repasses voluntários de verbas estaduais. No processo de transferência de recursos do Estado para os municípios são cooptados tanto os prefeitos quanto membros das bases eleitorais dos deputados estaduais e federais. O governismo se converte em estratégia de sobrevivência política uma vez que a vasta maioria dos municípios não tem condições de atuar como ente federativo, conforme já denunciado nesta coluna (leia aqui). O resultado é que a quase totalidade dos municípios seguem sendo dependentes de repasses financeiros condicionados ao apoio ao governador. Não há exagero em afirmar que a multiplicação desenfreada de municípios financeiramente inviáveis amplia ainda mais o poder dos governadores podendo até ser promovida por eles. No processo se abrem oportunidades de novas nomeações a cargo do governador, sendo o de delegado de polícia um dos mais cobiçados.

 

O domínio do governador em tantas instâncias propicia a politização da máquina administrativa. A ingerência do poder executivo reduz a profissionalização do gerenciamento e aumenta a intransparência da administração pública. Ao invés dos critérios afetos a competência e probidade na distribuição de cargos como os de delegado de polícia, diretorias regionais de órgãos e empresas públicas, coordenações regionais de saúde e educação, diretorias de escolas, transferências de professores etc. o que prevalece é seu uso para premiar ou punir prefeitos e deputados conforme sua postura diante do governador.

 

Também o sistema eleitoral opera a favor do poder dos governadores. O sistema de votação em lista aberta conduz a uma estratégia eleitoral individualista por parte dos deputados estaduais e federais. A maioria se torna dependente, para realizar suas campanhas eleitorais, dos recursos materiais e humanos da máquina pública. É grande a vantagem dos candidatos que podem contar com apoio dos prefeitos como cabos eleitorais às eleições de deputados estaduais e federais. E em quase todos os casos os candidatos também são dependentes do apoio financeiro do governador para se eleger.

 

Embora possam existir variações significativas nos diferentes contextos regionais, a regra é que os governadores exerçam controle sobre as assembleias estaduais e aprovem o que querem. Geralmente inexiste independência dos órgãos fiscalizadores como o TCE e o MPE em relação ao executivo estadual. Sistematicamente os governadores usam a execução do orçamento para controlar prefeituras e políticos locais e neutralizar a oposição. Os governadores exercem influência sobre as bases eleitorais dos deputados e, no limite, detém o poder de lançar outros candidatos se acharem necessário. Pior ainda, partidos políticos frágeis tanto quanto municípios fracos e/ou inviáveis financeiramente também aumentam poder de pressão que é capaz de exercer o ocupante do poder executivo estadual.

 

A necessidade de se pensar a superação desta situação pode se beneficiar do exame da experiência política estadunidense. Na maior parte dos casos os governadores nos EUA não têm maioria na assembleia estadual. Nos Estados Unidos a assembleia estadual é que é o centro da vida política de cada Estado. Nelas que são definidas as políticas públicas e controlada a execução orçamentária. Nos EUA os governadores são pouco mais que meros executores de iniciativas definidas pelos representantes do povo reunidos nas assembleias estaduais.

 

Para quebrar o poder monopólico dos governadores é muito importante a eleição direta para vários cargos que no Brasil são de nomeação exclusiva do chefe do executivo estadual. A maioria dos governos estaduais nos EUA contam com mais de 500 cargos de eleição direta pelos eleitores. Dentre estes cabe citar os de procurador-geral, vários secretários estaduais, diversas agências e empresas estatais, delegados e juízes. Estes cargos, cujos mandatários são eleitos pelo povo, relativizam o poder do governador. Finalmente, cabe mencionar a relevância das assembleias legislativas nos EUA. Longe de serem instâncias meramente homologatórias da vontade do governador, elas personificam a autonomia efetiva dos estados da federação para legislar sobre questões relevantes para o cidadão como são a pena de morte, o direito ao aborto, a descriminalização de drogas, a posse e uso de armas de fogo etc. O federalismo brasileiro carece de reforma urgente.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e autor de “Urbanização e Industrialização no Paraná”, para ler clique aqui.

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