OPINIÃO
Por Edgar Guimarães
Acompanhamos, com certa frequência, a veiculação de matérias em mídia nacional, dando conta de fraudes cometidas no ambiente público, notadamente nas licitações e contratações.
De tempos em tempos os Tribunais de Contas têm sido alvo de críticas, no sentido de criar entraves à continuidade de processos licitatórios e de obras públicas ao recomendar paralisações em razão de irregularidades identificadas. Nestas ocasiões, vozes ecoam tentando enfraquecer a atuação das Cortes de Contas.
Curioso anotar que estas ideias não são novas, muito menos originais. No passado, com o propósito de reformular a competência do Tribunal de Contas, Floriano Peixoto, segundo Presidente republicano, encaminhou a Serzedello Correa, seu então Ministro de Estado da Fazenda, minuta de decretos que pretendiam reduzir a ação do Tribunal. Serzedello Correa, homem de elevados valores morais e espírito público, pediu exoneração do cargo de Ministro de Estado e fez o seguinte comentário:
“Quando Vossa Excelência está dentro da lei e da constituição, o Tribunal lhe é superior. Reformá-lo não podemos. As autoridades legislativas ficam esgotadas e, por lei o executivo não pode mais modificá-las. Se Vossa Excelência, quer reformular o Tribunal, demita-me e o meu sucessor que referende o ato.”
Tais fatos nos fazem refletir sobre os aspectos determinantes do controle da Administração Pública frente aos artifícios de que se valem aqueles que praticam a corrupção.
O ordenamento jurídico brasileiro vigente oferece vários mecanismos voltados ao controle dos atos administrativos, legitimando para o seu exercício não apenas os Tribunais de Contas e o Ministério Público, mas também, e principalmente, os cidadãos.
A Constituição Brasileira prevê, basicamente, dois tipos de controle: o interno e o externo.
O controle interno, fundamentado na hierarquia, carecerá de firmeza sempre que as irregularidades tiverem origem nos altos escalões de governo.
Por sua vez, o § 2º do art. 74 da Constituição Federal de 1988, faculta a qualquer cidadão denunciar irregularidades ou ilegalidades perante as Cortes de Contas. Entretanto, essa prerrogativa muitas vezes é utilizada por pessoas que tem apenas interesses eleitoreiros.
Subsiste, portanto, o controle externo que, nos termos dos artigos 70 e 71 da CF, é exercido pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União, em nome dos interesses da sociedade.
O controle externo se apresenta como instrumento inerente ao Estado Democrático de Direito, tornando-se fundamental para a boa gestão da coisa pública ao permitir a transparência do processo de tomada da decisão administrativa, bem como de suas condicionantes e consequências.
Diante do quadro social e político que se apresenta, o controle externo dos atos administrativos é, sem sombras de dúvida, um instrumento absolutamente atual e indispensável, devendo ser, não apenas respeitado, mas, aperfeiçoado para fazer frente à natural evolução da sociedade e principalmente às transformações pelas quais passam o Direito Público e notadamente a Administração Pública brasileira.
Percebe-se que os instrumentos de corrupção vêm sendo aprimorados e aperfeiçoados em velocidade muito maior que os meios de controle legalmente instituídos. Não se trata de condenar a atuação dos órgãos controladores, pelo contrário, os Tribunais de Contas, o Ministério Público e a própria imprensa desempenham um papel de fundamental importância neste cenário. Entretanto, para se adequar a esta realidade nefasta e expurgar a corrupção, faz-se necessário o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle.
A atuação das Cortes de Contas nem sempre atinge os resultados desejados, o que o torna vulnerável a críticas que apontam, especialmente, para a forma de investidura de seus Membros.
Critica-se ainda a morosidade de atuação dos Tribunais de Contas que, não raras vezes, se abstém de praticar um controle concomitante com a realização da despesa, exercendo-o apenas posteriormente, com atraso, o que acaba por inviabilizar a recomposição de eventuais danos causados ao erário.
Por derradeiro, em um Estado Democrático e Social de Direito, como é a República Federativa do Brasil, só será legítima, perante os sistemas jurídico positivo e da ciência do direito administrativo, a atividade pública que tiver por escopo atingir as finalidades dispostas na Carta Magna, devendo haver controle de todos os atos da Administração Pública, controle este submetido aos filtros constitucionais.
Assim não se concebe um Estado Democrático de Direito absolutamente isento de controles efetivos, eficazes e materiais, capazes de garantir o exercício constitucional e regular da democracia, além de preservar a ordem jurídica a autonomia e independência dos poderes, mediante um sistema de freios e contrapesos.
Edgar Guimarães é advogado. Pós-Doutor em Direito pela Università del Salento (Itália). Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP; Professor no curso de Pós-graduação da PUC/PR e da Escola Paranaense de Direito; Consultor Jurídico (aposentado) do Tribunal de Contas do Estado do Paraná; 2º Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo; Membro do Instituto dos Advogados do Paraná. Árbitro da Câmara de Arbitragem e Mediação da FIEP/PR. Autor de livros e artigos jurídicos