A Receita Federal questiona a fabricante de bebidas Ambev por restituições bilionárias de Imposto de Renda no Brasil sobre lucros da cervejaria no exterior. O Fisco autuou a empresa em R$ 12,6 bilhões, valor que é discutido na Justiça.
A origem da disputa é a compensação do Imposto de Renda devido no País com o Imposto de Renda anual pago pela multinacional brasileira fora daqui. A Ambev entende que pode usar o IR desembolsado no exterior para abater o Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) pagos mensalmente no Brasil.
Já a Receita considera o procedimento irregular. O Fisco avalia que, na prática, é como se governo brasileiro pagasse pelo imposto que a Ambev recolheu em outro País.
Em nota, a Ambev informou que não comenta casos judiciais em andamento. “Vale pontuar que cumprimos integralmente a legislação brasileira sobre lucros no exterior e já houve o reconhecimento no próprio Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) em caso semelhante a favor dos contribuintes”, disse.
No dia 28 de julho, fiscais da Receita se encontraram em São Paulo com cinco representantes da Ambev, entre eles, os diretores da área tributária Eduardo Paoli e Roberta Bordini Prado Landi. Segundo relatos de pessoas ligadas à investigação, a conversa foi tensa.
A reunião oficialmente fez parte do Confia, programa-piloto de Conformidade Cooperativa Fiscal da Receita, que é testado com oito grandes empresas que recolhem muitos impostos e têm disputas com o Fisco, caso da Ambev.
A Ambev questiona autuações no Carf, tribunal administrativo onde os contribuintes recorrem de multas aplicadas pelos fiscais da Receita.
Em 2020, a empresa perdeu no Carf um julgamento sobre uma dessas autuações, no valor atualizado de R$ 2,6 bilhões. No início de 2023, a decisão foi confirmada por unanimidade pelo próprio tribunal. Pela decisão do Carf, o valor a pagar será inscrito na Dívida Ativa da União para cobrança, nos próximos dias, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Contabilidade
Demonstrativo contábil da Ambev publicado em março de 2023 com dados do ano de 2022 aponta que, desde 2014, a companhia é autuada pelo Fisco. As notificações se referem a operações de 2007 em diante.
A Ambev informou aos fiscais, segundo o Estadão apurou, que não pretende aderir à chamada Lei do Carf. Aprovada pelo Congresso, a legislação pretende promover um encontro de contas entre as empresas e o Fisco. A Receita queria regularizar os débitos da Ambev agora, mas os representantes da multinacional informaram que pretendem seguir com o questionamento das autuações na Justiça. Um processo desse tipo pode demorar mais de dez anos.
Cobrança
Nos documentos oficiais, a Ambev repete que a cobrança é ilegítima e cita que, em novembro de 2019, foi proferida decisão favorável pelo Carf, cancelando a autuação com relação a um dos casos em disputa, referente ao ano-calendário de 2010. Por reputar que as cobranças são ilegítimas, a companhia está questionando essas autuações nos tribunais administrativos e judiciais.
A julgar pelo balanço financeiro, a empresa demonstra convicção de que deve ganhar a disputa jurídica. No caso da Ambev, apesar de divulgar contingências possíveis de R$ 85 bilhões para a data-base de 31 de dezembro de 2022, a empresa considera apenas R$ 300 milhões como uma perda provável.
De acordo com estudo do economista e diretor do Sindicato dos Economistas (Sindecon) de São Paulo, André Paiva Ramos, as demonstrações financeiras da Ambev de 2022 apresentaram um aumento das contingências tributárias. Segundo ele, essas contingências têm crescido desde 2018. Passaram de R$ 63 bilhões para R$ 85 bilhões, alta de 34%.
Procurada, a Receita Federal, em Brasília e em São Paulo, não respondeu aos pedidos de informações da reportagem até a publicação deste texto.
Fisco também apura transações de Juros sobre Capital Próprio
Além de operações com o Imposto de Renda, a Receita investiga outro ponto importante do balanço contábil da Ambev. Seu questionamento é sobre o uso de operações chamadas Juros sobre Capital Próprio (JCP). Trata-se de um mecanismo de pagamento de dividendos adotado como forma de remunerar os acionistas da empresa pagando menos IR.
O JCP é permitido no Brasil, portanto, não há ilegalidade. Mas os fiscais da Receita questionam se haveria uso abusivo e irregular do mecanismo pela Ambev. A empresa já foi autuada pelo Fisco, e o caso está sendo analisado pelo Carf. Em proposta enviada na semana passada ao Congresso, o governo acaba com o mecanismo.
No anúncio do projeto de Orçamento de 2024, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, falou em combater eventuais abusos de empresas da economia real, sem citar nomes.
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