Por Marcos Traad
Estarrecidos, acompanhamos absurdos no comportamento de autoridades e de pessoas públicas numa constante agressão à legalidade e num verdadeiro atentado à conduta de cidadãos brasileiros cumpridores das leis.
Chamam especial atenção, no entanto, as bravatas e transgressões cometidas pelo número um do país. Aquele que deveria dar exemplos à nação, o Ex-Presidente da República. De fato: Bolsonaro insistia em ser diferente! O diferente, neste caso, representou o que há de pior para a nossa imagem e não deve servir de exemplo para ninguém.
Entre muitas atitudes, nos atentemos ao fato das “motociatas” sem o capacete, equipamento de segurança individual de uso obrigatório. Atitudes como as observadas, desmoralizaram todas as autoridades de trânsito, a começar pelo seu próprio Secretário Nacional de Trânsito. Eu penso que tenhamos de estancar a propalada imagem de um país onde prevalece a esculhambação.
Por quase oito anos (2011 – 2018), eu exerci o cargo de Autoridade Estadual de Trânsito, como Diretor Geral do Departamento de Trânsito do Paraná (DetranPR), além de ter sido Presidente e Vice-Presidente da Associação Nacional dos Detran (AND) e Vice-Presidente do Conselho Estadual de Trânsito (CetranPR). Assim, só tenho a lamentar pelo que acompanhei também como cidadão.
O primeiro código de trânsito do país foi instituído em 1941. O segundo, em 1966. O atual, pela Lei Federal 9503/1997, passou a vigorar em 1998 e vem sofrendo alterações. A última Lei a alterar o CTB foi a 14.229/21 publicada em 21/10/21, que entrou em vigor em 22 de abril de 2022. Na última versão, o ato de conduzir motocicleta sem capacete continua sendo infração gravíssima e a penalidade aplicada, além do valor da multa estabelecida (R$293,47), é a SUSPENSÃO DIRETA DO DIREITO DE DIRIGIR. Desta forma, tanto a autoridade de trânsito, quanto os seus agentes (designados por portarias específicas para tanto), ficam OBRIGADOS A EXERCER O SEU PAPEL AUTUANDO OS CONDUTORES INFRATORES.
Evidenciemos então um detalhe que, se verdadeiro, poderia amenizar o assunto: o Presidente Bolsonaro não teria cometido infração caso as vias por onde circulou estivessem fechadas à circulação de outros veículos, haja vista que o código se aplica às vias abertas à circulação geral. Infelizmente o que vimos, com uma ou outra exceção, foi justamente o contrário. O Presidente circulou sem capacete normalmente, junto com outros veículos e, pior: sob a escolta de quem deveria autuá-lo. Suponhamos ainda que todas as vias estivessem fechadas para a passagem de Sua Excelência: o exemplo seria o pior possível. A conduta é reprovável sob a ótica das boas atitudes voltadas à Educação Para o Trânsito. Imaginemos ainda que poderia ocorrer um acidente ao longo do percurso, colocando a vida do cidadão Bolsonaro, o Presidente da República, em risco. Como a sua segurança permitiu tamanha exposição?
A indignação vem não só pela exceção aberta a quem deveria ser exemplar na conduta. Milhares de cidadãos brasileiros que se utilizam de motocicletas para o seu trabalho estão constantemente sendo observados e, muitos deles são submetidos a processos de suspensão ou cassação das suas CNH. Deixam de trabalhar, pagam as suas multas e impostos, se submetem ainda aos Cursos de Reciclagem para Condutores Infratores, cumprem com as penalidades estabelecidas e só assim reconquistam o direito de dirigir.
É espantoso ainda verificar que, os proprietários dos veículos utilizados pelo Presidente para os seus passeios ao sabor do vento no rosto, deveriam ter responsabilidade direta. Assim sendo, na impossibilidade de identificação do condutor (o que não vem ao caso) o proprietário do veículo receberia a notificação da ocorrência da infração, com o devido prazo legal para apresentar o condutor infrator e, em não indicando e, sendo ele portador de CNH, a suspensão seria direcionada a ele mesmo. É claro que cumpridos os prazos para o contraditório e a ampla defesa, de acordo com o que estabelece a lei.
Que fique registrada a atitude inconsequente sob todos os aspectos e que, com o término do seu mandato, haja a mesma coragem para tamanha exposição diante dos olhos de quem deveria cumprir com o dever de multar e não o fez. Nenhuma autoridade municipal, estadual ou federal cumpriu com o seu ofício, descumprindo assim com o estabelecido pelo CTB vigente.
Reflitamos!
Quem sabe, depois dos 100 anos de segredo, os que sobreviverem possam ter o senso de justiça recuperado.
MARCOS TRAAD é graduado em Zootecnia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Mestre e Doutor pela Universidade Federal do Paraná. Foi Diretor Geral do DetranPR (2011-2018), Pesquisador do Instituto Agronômico do Paraná e Professor Titular da PUCPR.
Muito bem colocado, como cobrar respeito às leis se o número 1 às ignora.