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Atleta quarentão

10/05/2022

Na faixa dos 40 anos completados havia pouco, Hermann Sheffield estava se sentindo em plena adolescência. Separado da mãe dos seus filhos, jogava tênis três vezes por semana. Nos outros dias, corria. Começou fazendo tiros de 100 metros, aos poucos aumentou para 200. Um mês mais tarde, já cumpria os 4.800 metros da pista do parque em 35 minutos.

 

A barriga havia desaparecido, o corpo tinha adquirido um leve bronzeado, os cabelos tendendo ao grisalho fechavam o pacote. Hermann era um sucesso, os próximos anos prometiam.

 

Suas atividades profissionais o levavam a diversas cidades brasileiras. Aproveitou para correr na orla em Natal, no parque da cidade, em Brasília; entre Ipanema e o Leblon; na praia de Daniela, em Floripa, durante um carnaval; em Boa Viagem, no Recife.

 

Depois do por do sol, punha-se à disposição da noite. Não se decepcionava, seu território eram as mesas de bar, a desfilar fantasias retóricas como se fosse um mestre-sala na Marquês de Sapucaí.

 

Deu-se que um dia Hermann amanhece na casa de praia de sua mãe, em Itajuba – pequeno balneário entre Barra Velha e Piçarras, em Santa Catarina, mais conhecido por ser vizinho da Praia do Grant, endereço de gente de muitas posses.

 

Depois do café matinal, comunica que irá dar “uma corridinha”. Na areia não seria possível, a praia ali é íngreme, a areia, fofa. Praticar esportes em praias de areia mole é coisa para atletas, em atividade ou militares aposentados, do Rio de Janeiro – todos fenômenos da capacidade aeróbica e da força nas pernas: vôlei de praia, futebol de areia, futevôlei são esportes para super-homens.

 

A mãe mandou ter cuidado, a rua era de paralelepípedos. Que nada: Hermann frequentava aquele lugar há décadas, desde que seu avô comprara casa ali, em tempos de estrada poeirenta, água de poço, luz de lampião.

 

Calçou seus tênis de boa procedência, ajeitou o boné, aqueceu o corpo por alguns minutos e lançou-se à empreitada: iria em direção à Barra Velha, enfrentando um pequeno aclive para desfrutar depois o bucolismo daquela rua tão aprazível, cumprimentando no caminho os pescadores de ocasião e os habitantes dedicados a limpar suas calçadas.

 

Enquanto corria, como cantavam os Novos Baianos em Preta Pretinha, Hermann imaginava o que poderia fazer naquela noite de sábado. Qualquer coisa menos entrar na roda de tranca das amigas da sua mãe.

 

Chegou ao fim dos três quilômetros a que se havia proposto como percurso e fez a volta. O sol batia forte, a camiseta grudada de suor. Aquele piso não era pista de atletismo, exigia bastante dos músculos das pernas. Na altura dos quatro quilômetros, Hermann começou a sentir a panturrilha. Não haveria de ser nada, logo terminaria a tarefa.

 

Eis que surge um paralelepípedo mal colocado naquela imensidão de pedras irregulares. A topada, ela mesma, não foi grande coisa, mas o suficiente para o caro Hermann se estabacar com todas as letras. Bateu a cabeça, ralou os braços, feriu os joelhos, ficou tonto. De corredor autossuficiente viu-se transformado em saco de batatas.

 

Foi socorrido por um casal de pescadores que voltavam para casa. A mulher foi buscar um copo d’água, o marido examinou a feridas. “É melhor você procurar um hospital, tem escoriações e o joelho direito está bem machucado”. Hermann nem comentou sobre a dor do tornozelo, prenúncio de tendão rompido.

 

Levantou-se apoiado no bom samaritano pescador e, enquanto tentava firmar o pé no chão, passou uma velha senhora, de lenço na cabeça e sacola de supermercado na mão. Foi cirúrgica, a mulher:

 

– É nisso que dá gente velha metida a correr por aí.

1 Comentário

  • Que coisa sem graça!!

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