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CARLOS-CABECA-COLUNA

Alguns apuros

12/11/2024

Minha obsessão por carros não se limitava à prática; a teoria também me fascinava. Descobri a revista Quatro Rodas em meados dos anos 70. Naquela época, éramos obrigados a ir a festas de aniversário de adultos, como a de um tio-avô. Nessas ocasiões, sem muito o que fazer além de parecer parte da mobília, me deparei com algumas revistas Quatro Rodas e a atração foi imediata. Testes, segredos, propagandas e fotos dos carros da época, modos de condução na estrada e fora dela, tudo descrito minuciosamente em textos agradáveis de ler. Quando chegou a hora de ir embora, já não achava tão tedioso acompanhar a família, ao menos em casas onde houvesse revistas. Comprei meu primeiro exemplar em uma banca, a edição de agosto de 1978, cuja capa apresentava Piquet, o novo herói, os 30 mil km do Opala e testes dos jipes Jeg, X-12 e Jeep. Desde então, e até hoje, tenho todas as edições, pois fui um dos primeiros assinantes assim que a assinatura se tornou disponível. No início dos anos 2000, consegui comprar as edições que faltavam, desde a número 1 até a de julho de 1978.

Já com bastante prática e com os textos da Quatro Rodas reforçando meu conhecimento, em janeiro de 1984 fui para Gramado fazer um curso de férias de alemão na Casa da Juventude, acompanhado de dois amigos. Fomos em um Passat LS 3 Portas, ano 80, modelo 81. Foi o nosso primeiro carro com “C” maiúsculo, adquirido por meio de um leasing na empresa em que meu pai trabalhava. Eu já conhecia bem a estrada, pois desde 1975 tinha ido várias vezes com a família.

Sempre levava um estojo de ferramentas básicas e um litro de óleo para completar, se necessário, a cada mil quilômetros. Na ida, a viagem correu bem e nada aconteceu nos 15 dias do curso, mas na volta… Com o guia Quatro Rodas em mãos, que incluía mapas rodoviários do Brasil, resolvi voltar por um caminho diferente, pelo litoral, uma viagem que já tinha feito anteriormente. Para isso, era necessário ir por São Francisco de Paula e descer a serra, que era na época uma estrada de terra. Nada muito preocupante, mas havia chovido bastante. Com cuidado, chegamos ao pé da serra. A estrada acompanhava o rio Três Forquilhas, até que em um ponto mais adiante o rio tinha invadido a estrada formando um lamaçal de uns 200 metros. Paramos, observamos a situação e decidimos seguir em frente, seguindo o rastro dos carros que já tinham atravessado. Em segunda marcha e em velocidade constante, avançamos. Estávamos mais da metade do atoleiro quando ouvi algo raspar no fundo do carro. Continuamos e saímos felizes pelo feito, mas, uns 300 metros adiante, o motor morreu. Pensei na hora no barulho que tinha ouvido ao passar pelo atoleiro. Parei, olhei para baixo e vi a gasolina escorrendo com gosto do tanque, por um duto rompido um pouco adiante do eixo traseiro. Peguei um alicate no estojo de ferramentas e estanquei o vazamento. O problema era ter que ficar segurando o alicate. Deixei meu amigo fazendo isso enquanto segui a pé pela estrada procurando ajuda. Por sorte, um carro vinha vindo e me deu uma carona até a cidadezinha mais próxima, onde havia uma oficina e borracharia à beira da estrada. Chegando lá, relatei o problema ao mecânico, que muito gentilmente me convidou para almoçar. Almoçamos. Enquanto isso, meu amigo estava lá agachado, segurando o alicate debaixo do carro. Quando chegamos, o mecânico pegou uma mangueira transparente, daquelas de aquário, emendou o duto e seguimos viagem. Esse remendo durou toda a vida útil do carro sem precisar ser trocado.

Vários anos depois, em julho de 1991, outro incidente aconteceu. Desta vez, estava dirigindo um Del Rey Ouro, 2 portas, ano 1982, adquirido de segunda mão. Tinha ar-condicionado, mas não direção hidráulica, e estava bem conservado, com baixa quilometragem. Eu tinha uma viagem de serviço para Blumenau e, por alguma razão, resolvi levar minha mãe e minha avó junto. Decidimos evitar a BR 376, perigosa na época, e porque tínhamos más lembranças após uma viagem a Joinville em que presenciamos três acidentes, todos eles com fatalidades. Optamos ir por São Bento e descer a Serra da Dona Francisca. Chegando a São Bento, estava chovendo e a estrada de terra estava em obras. Uma barbaridade. Um motorista de caminhão nos desaconselhou a seguir adiante. Como voltar não era uma opção, continuamos. Terra, chuva e obras deixam a estrada bastante lisa, e logo percebi que não conseguiríamos subir de volta, só restava continuar descendo. E continuamos, com garoa, neblina, estrada lisa, e o velho Del Rey deslizando serra abaixo com maestria e perfeição, até que, em certa altura, a estrada se dividiu entre uma curva apertada à direita ou seguir em frente. Segui em frente, mas era um atoleiro recém-aberto pelas obras. O carro andou um pouco e afundou até o assoalho. À minha esquerda, um precipício. A parte boa era que as duas senhoras de idade dentro do carro estavam se divertindo com tudo aquilo. Saí do carro, me atolei no atoleiro e segui estrada abaixo para procurar ajuda. Por sorte, não demorou muito para um carro aparecer e parar para ajudar. Eles tinham até cordas. Amarrei a corda no suporte do para-choque dianteiro e o outro carro começou a nos rebocar. Sucesso. O Del Rey conseguiu sair, mas o carro que ajudou ficou atolado. Um trator que estava passando os ajudou. A quantidade de barro grudado em nosso carro era impressionante. Assim que chegamos a Jaraguá do Sul, fui a um posto para passar um jato d’água no carro todo antes de seguir viagem até Blumenau.

Voltamos pela BR 376. Perigosa, sim, mas ao menos asfaltada.

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