Na esquina das ruas Amintas de Barros e Ubaldino do Amaral no Alto da Rua XV na capital do Paraná se ergue uma imponente e histórica construção. Trata-se de moradia centenária, de amplas proporções e de estilo eclético, bem ao gosto das elites curitibanas do início do período republicano. Em torno da casa se ergue um alto muro, garantindo a privacidade da edificação e ocultando um bosque de cedros plantado no quintal. Para além da importância histórica da edificação em si, trata-se daquela que foi moradia na maior parte do tempo de nosso maior ensaísta e contista contemporâneo, o escritor Dalton Trevisan. Pela sua incomparável importância histórica e face ao provável e iminente passamento de seu mais ilustre ocupante, cabe indagar sobre o futuro da Casa do Dalton Trevisan.
É crítica a situação do patrimônio histórico em Curitiba. Cabe notar que Curitiba, a despeito de sua superestimada reputação no campo do planejamento urbano, jamais contou com uma Lei de Tombamento especificamente dedicada à preservação de edificações de importância histórica. De fato, todos imóveis inscritos em livro do Tombo para fins de preservação e conservação em Curitiba se encontram sob amparo de iniciativas tomadas apenas em nível federal e estadual. A omissão do poder público municipal nessa área é completa. A criação de uma lista de imóveis históricos com Unidades de Interesse de Preservação (UIP) tem eficácia limitada, como denuncio em meu livro “Curitiba e o Mito da Cidade Modelo”.
Os resultados desta política são a implacável destruição de nosso patrimônio histórico, artístico e cultural, a perda de importantes oportunidades de agregação de valor à diferentes áreas urbanas e de geração de novas atrações culturais, turísticas, científicas e de lazer. Se e quando tivermos uma política de tombamento de edificações históricas teremos de nos ocupar de pelo menos 600 imóveis que ainda podem ser salvos.
As iniciativas recentes do poder público municipal com relação à preservação deste tipo de imóvel geram os piores receios com relação ao destino da principal moradia de nosso mais importante escritor. Para citar apenas alguns poucos exemplos recentes, cabe mencionar a casa do indigenista e documentarista Vladimir Kozák, a casa do escritor e historiador David Carneiro e a casa do escultor e artista plástico Erbo Stenzel.
A Casa Vladimir Kozák ficou fechada por vários anos, no decorrer dos quais o imóvel foi gravemente deteriorado, degradando suas características originais e sendo perdida para a corrosão e o abandono às intempéries o veículo Rural Willys com que o indigenista e documentarista percorria os sertões do Paraná. Atualmente funciona como centro cultural e casa de leitura sob a administração da Fundação Cultural de Curitiba. Contudo, a recuperação do imóvel não se preocupou em preservar suas características originais.
Da casa do escritor e historiador David Carneiro, onde funcionava o museu de mesmo nome, pouca coisa restou além da fachada. A quase totalidade do terreno foi ocupada por imenso e modernoso prédio de estilo horroroso onde funciona um hotel. O que deveria ser o memorial David Carneiro, a ser instalado no que restou do outrora magnífico imóvel histórico, se converteu em mera loja de souvenires. O incomparável e imenso acervo do Museu David Carneiro segue em sua maioria encaixotado à espera de um espaço adequado de exposição. Seria oportuno que o poder público estadual destinasse o abandonado e subutilizado espaço da Casa Andrade Muricy para sede do novo Museu David Carneiro.
Já a casa do escultor Erbo Stenzel foi inteiramente perdida. Em 2017 a casa foi parcialmente danificada por um incêndio criminoso. Numa decisão arrogante e precipitada o poder público municipal decidiu pela demolição imediata do que restou da casa. Na decisão de destruir o que restou do imóvel não foram ouvidos nem o diretor de patrimônio da Fundação Cultural de Curitiba (FCC) nem o coordenador da Comissão de Segurança de Edificações e Imóveis (Cosedi).
Todos esses precedentes funestos e negativos permitem alimentar as piores apreensões sobre o destino da Casa do Dalton Trevisan.
Qual será o destino da Casa do Dalton Trevisan?
Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e autor de “Curitiba e o Mito da Cidade Modelo” (Ed. Da UFPR, 2000) disponível aqui.
Leia outras colunas do Dennison de Oliveira aqui.
2 Comentários
Caro professor, Curitiba já conta com uma lei de tombamento, nº 14.794/2016, assinada na administração de Gustavo Fruet. A casa Mário de Mari (sede do CAU) foi o primeiro bem tombado por essa lei. Não sei se há outros.
É preocupante e estamos 👀 de olho!