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DENNISON-CABECA-COLUNA

A crise do Transporte Coletivo e o novo livro de Lafaiete Neves

10/06/2025

O transporte coletivo de Curitiba passa por profunda crise. O recente livro de Lafaiete Neves intitulado “Tarifa Zero: de décadas de luta ao sonho possível” é importante por apontar as causas do problema e defender a adoção da Tarifa Zero como solução.

As manifestações da crise do transporte coletivo de Curitiba têm se intensificado desde a última licitação para operação dos ônibus em 2013. A principal manifestação da crise é o elevado custo da tarifa, a mais cara do Brasil (R$8,00), levando em conta o que é pago diretamente pelo usuário (R$6,00) e o valor repassado por cada passageiro pela Prefeitura de Curitiba às empresas privadas de ônibus na forma de uma tarifa “técnica” (R$ 2,00).

O elevado preço da tarifa tem, desde então, provocado a queda sistemática do número de passageiros que em 2013 era de 25,5 milhões/mês e já em 2016 foi reduzido para 17,50 milhões/mês. Atualmente são apenas 14 milhões/mês. De acordo com as pesquisas do Professor aposentado do Departamento de Economia da UFPR Lafaiete Neves isto está gerando um círculo vicioso: a remuneração das empresas privadas de transporte coletivo se dá por passageiros de forma que, quanto menor o número de passageiros, maior será o custo a ser dividido entre eles elevando a tarifa; e quanto maior for a tarifa tanto maior será o abandono de passageiros do sistema, agravando ainda mais a crise.

O livro “Tarifa Zero: de décadas de luta ao sonho possível” (Banquinho, 2025) é altamente relevante porque descreve como as relações entre o poder público local e os empresários do transporte coletivo ao longo de mais de 5 décadas vem impedindo, por meio de atuação tanto política quanto judicial, a entrada de novas empresas no setor. Neste aspecto o modelo de licitação adotado em Curitiba teve papel decisivo.

Dentre as várias formas pelas quais a licitação foi direcionada o livro destaca a importância central da exigência absurda imposta aos interessados de possuir 25 anos de experiência em operação no modal tecnológico de Curitiba, ou seja, estações tubo com plataforma elevada de embarque, ônibus articulados e biarticulados, além da experiência na condução desses ônibus em canaletas exclusivas.

Evidentemente que só as empresas que já operavam o sistema poderiam atender a tais requisitos. Essa estapafúrdia exigência eliminou todos os possíveis concorrentes do Brasil inteiro, uma vez que somente Curitiba tem esse tipo de modal de transporte coletivo. Esta e muitas outras práticas de direcionamento da licitação foram apontadas em relatório da auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná.

O que se pode concluir é que as estações-tubo não são apenas desconfortáveis termicamente, inseguras, sujeitas a superlotação contínua, de manutenção custosa e difícil, bem como um ônus permanente para os cobradores obrigados a nelas trabalharem: elas são também uma peça-chave no direcionamento das licitações – a vigente e as futuras – sempre para as mesmas empresas operadoras. É realmente surpreendente que equipamento urbano de gosto tão duvidoso e tão disfuncional em todos os sentidos para os interesses dos usuários ainda não tenha sido extinto.

O livro de Lafaiete Neves também é relevante porque constata que os gestores do sistema de transporte coletivo de Curitiba até então não tinham controle direto dos comprovantes de gastos das empresas para verificar se cada item de fato representava o custo real da passagem de ônibus. Outra importante constatação é a extrema concentração da propriedade privada no setor, em que 70% da frota de ônibus é operada por apenas um grupo empresarial.

A partir da leitura desta relevante obra se percebe como são fúteis as esperanças de que o avanço tecnológico possa reverter a atual crise, por exemplo, a partir da aquisição de ônibus híbridos movidos a diesel e eletricidade. Tais veículos custam cerca de R$ 625.000,00 e transportam 70 passageiros. Já o ônibus articulado custa R$ 588.000,00 e transporta até 200 passageiros. Ou seja, a disseminação dos ônibus híbridos promete agravar ainda mais a atual crise, ao invés de ser uma solução, como deveria.

Outro ponto de destaque deste oportuno livro é o descritivo das distorções da planilha tarifária de vários itens indevidamente nela incluídos como: os impostos pagos pelos empresários, a taxa de gerência da empresa pública gestora do sistema de 4%, o preço mínimo do combustível, o custo dos ônibus híbridos, a “taxa de risco”, os custos com depreciação e remuneração de investimentos em edificações, a taxa assistencial de 3% destinada ao Sindicato de Motoristas e Cobradores de Curitiba e Região metropolitana, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido dentre tantos outros a inflacionar o custo da passagem de ônibus.

Em conclusão Lafaiete Neves manifesta sua convicção de que, de imediato, as entidades representativas da sociedade civil devem atuar para exigir que se democratize as políticas de transporte público, incluindo aí a superação do atual modelo baseado nos ônibus, propondo novos modais para criar alternativas de mobilidade, possibilitando a concorrência, visando a melhoria da qualidade do sistema, oferecendo mais conforto e um valor justo para as tarifas. De fato, se nada mudar Curitiba será a última cidade relevante do Brasil a contar com metrô, monotrilho, trem, bondes, VLT etc.

A solução definitiva para a crise do transporte público de Curitiba seria, segundo o autor, a implementação da Tarifa Zero. Desta forma, seria garantido o direito constitucional de ir e vir, dinamizada a economia urbana por meio da redução substancial dos custos de transporte pessoal e abertas inúmeras oportunidades de negócios, lazer, cultura e educação a todos cidadãos. Mas isso é tema para uma próxima coluna.


Dennison de Oliveira é Professor Sênior do Mestrado Profissional em Ensino de História da UFPR e autor do livro “Curitiba e o Mito da Cidade Modelo (Editora da UFPR, 2000) disponível em (https://www.editora.ufpr.br/produto/28/curitiba-e-o-mito-da-cidade-modelo)
O livro “Tarifa Zero: de décadas de luta ao sonho possível” (Banquinho, 2025) está disponível em (https://www.estantevirtual.com.br/livro/tarifa-zero-IW7-3236-000)


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