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A mentira militar da prioridade amazônica

12/12/2023
guiana

O estado de precariedade para com a vigilância e segurança das fronteiras amazônicas do Brasil é notório. Em circunstâncias normais os responsáveis por tal estado de coisas seriam demitidos e julgados por negligência criminosa, mas em se tratando da vigente e fracassada Política Nacional de Defesa (PND) tais absurdos são tidos como normais. No caso de um eventual conflito entre a Venezuela e a Guiana o Brasil não teria a mínima condição de usar de recursos militares para impedir sua eclosão ou alastramento e nem teria meios de impor sua neutralidade ou sequer de negar acesso aos beligerantes ao território nacional.

 

O exame das organizações militares existentes na região revela como são pífias as chances de o Brasil impor sua soberania sobre o próprio território, numa região tomada há tempos por problemas como contrabando, inclusive de armas e munições, tráfico de drogas, biopirataria, tráfico de pessoas, grilagem de terras públicas e áreas de reservas indígenas, exploração e comércio ilegal de madeira, pedra e metais preciosos e de animais silvestres. Além disso, desde 2018 levas de refugiados e migrantes venezuelanos tem buscado passar pela fronteira em busca de asilo político ou melhores condições de vida no Brasil.

 

Para fazer face a tais ameaças ao longo de uma fronteira de dois mil e duzentos quilômetros de extensão o Exército Brasileiro dispõe de meros dois batalhões de infantaria de selva, o 5º BIS com sede em São Gabriel da Cachoeira (AM) e o 7º BIS sediado em Boa Vista (RR). Ambas as unidades dividem as responsabilidades de defesa e segurança com relação a extensa, acidentada e isolada fronteira com a Venezuela e a Guiana, sendo desdobradas em Pelotões Especiais de Fronteira (PEF) compostos por cerca de 60 homens cada um.

 

O 7º BIS em Roraima mantém face à Guiana 3 PEF: o 1º em Bonfim, o 2º na localidade de Normandia e o 3º em Pacaraíma. Outros 3 pelotões guarnecem a fronteira com a Venezuela: o 4º em Surucucu, o 5º em Auaris e o 6º em Uiramutã. Da parte do 5º BIS existem oito PEF, mas destes apenas dois fazem face à fronteira com a Venezuela, ambos no Estado do Amazonas: o 4º em Cucuí e o 5º em Maturacá.

 

Tomados em seu conjunto o EB dispõe para emprego imediato no caso de conflito entre a Venezuela e Guiana de pouco mais de quinhentos soldados. A estes irão em breve se juntar outros 180 homens. Somados, estes 680 militares representam irrisórios 0,2% do efetivo total do Exército que é de cerca de 235 mil homens. Também serão enviados 28 veículos blindados, conforme anunciado recentemente (05/12). Trata-se de 6 modernos transportes blindados de infantaria Guarani, seis antigos carros blindados com canhão modelo Cascavel e 16 atualizadas viaturas com tração nas quatro rodas tipo Guaicuru.

 

O caráter precário, insuficiente e tardio de reforços tão minúsculos é realçado pela longa viagem de três semanas que terão de fazer até seu destino final, saindo por terra de organizações militares sediadas em locais tão distintos como Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso até Belém (PA). De lá os reforços serão embarcados e transportados por via fluvial até Manaus, antes de atingirem seu destino.

 

A prioridade da destinação dos meios de defesa à fronteira amazônica é uma mentira. É urgente reverter este estado de coisas. Há bem mais de meio século é consenso entre estudiosos e pesquisadores, tanto militares quanto civis, que a prioridade dos esforços do Exército tem que ser a Amazônia. Contudo, a política há tempos vigente é a oposta, com apenas 10% do efetivo do Exército alocado na Amazônia a qual corresponde a mais da metade (59%) do território brasileiro. Assim, temos 90% do efetivo do exército fora da Amazônia, isto é, disperso sem nenhum sentido estratégico na porção menor (41%) que é o resto do país.

 

Cabe, então, uma total inversão na alocação dos efetivos do Exército. O Exército Brasileiro tem que se assumir como essencialmente amazônico. É na região da Amazônia onde deve ficar permanentemente a quase totalidade dos seus efetivos. Desta forma, cabe planejar a transferência ou extinção de praticamente todas as unidades do Exército nas demais Regiões do país, conforme defendido na coluna “Por uma Política Nacional de Defesa” para ler clique aqui.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e participou da banca de avaliação da dissertação de mestrado de José Carlos Meireles da Silva intitulada “Soldados da borracha: o acordo político entre Brasil e Estados Unidos da América para a extração do látex” disponível aqui.

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