O Estado e a sociedade argentinos ficaram profundamente divididos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A maioria de seus cidadãos e autoridades preferia que a Argentina se mantivesse neutra durante o conflito. Contudo, à medida que a guerra ia se alastrando aumentava a influência dos grupos interessados em alinhar o país no bloco das potências aliadas, então em luta contra a Alemanha nazista, a Itália fascista e o Império do Japão. O impasse só foi rompido quando da descoberta do apoio do então governo militar argentino a um plano dos nazistas para acabar com o alinhamento dos países latino-americanos aos Estados Unidos da América (EUA) e criar em seu lugar um bloco de nações neutras.
O principal objetivo diplomático da Alemanha nazista (1933-1945) na América Latina durante a Segunda Guerra Mundial era manter neutros o maior número possível de países da região. A neutralidade era entendida como alternativa ao alinhamento com os Estados Unidos e demais países Aliados. Desta forma os nazistas seriam capazes de manter em funcionamento as representações diplomáticas alemãs no continente. Para a Alemanha, manter em funcionamento embaixadas e consulados por toda América latina constituía um ótimo meio de divulgação de propaganda, obtenção de informações e de realização de operações secretas para desencadear ações subversivas capazes de abalar a aliança que os EUA haviam construído entre os países da região.
Ao final da Conferência de Chanceleres das Repúblicas Americanas realizadas na cidade do Rio de Janeiro no início de 1942 essa aliança quase foi alcançada. Ao final da conferência, convocada após a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial (7/12/1941), todos países latino-americanos romperam relações diplomáticas com as potencias do Eixo, ou até mesmo já haviam lhes declarado guerra, menos dois: o Chile e a Argentina. A atitude chilena derivava dos receios quanto à impossibilidade de defender sua extensa linha costeira contra um ataque japonês, num contexto em que os EUA pareciam que estavam perdendo a guerra. Já a atitude argentina derivava da histórica rivalidade para com os EUA, com o qual relutavam em se alinhar. A possibilidade de vir a adquirir armas alemãs também era um ponto de conflito entre argentinos e estadunidenses.
A situação se manteve até 20 de dezembro de 1943 quando ocorreu um Golpe de Estado na Bolívia que derrubou o governo que até então estava em guerra contra o Eixo. A espionagem estadunidense descobriu que o governo argentino mantinha contato com os conspiradores e havia financiado o golpe na Bolívia. Ainda mais grave foi a descoberta de que organizações do governo alemão haviam participado da conspiração, provavelmente para ajudar a instaurar um governo de orientação neutra ou pró nazista.
A reação dos EUA, sempre temeroso do surgimento de um bloco de países neutros no cone sul, foi rápida. Imediatamente negaram reconhecimento ao novo governo. Em seguida foram tomadas providências para fortalecer a posição estratégica do Brasil, como recurso para intimidar a Argentina, cujo governo, desde o golpe militar de 7 de junho de 1943, também não havia sido reconhecido pelos EUA. A forte possibilidade da subversão patrocinada por argentinos e nazistas ser estendida para outros países como Paraguai e Uruguai não poderia ser descartada. No pior cenário haveria mais golpes de Estado que, ao final, resultariam em uma coalisão de países neutros, indiferentes ou mesmo hostis quanto a colaboração com os EUA no esforço de guerra contra o Eixo.
Para intimidar a Argentina e forçar seu governo a romper relações diplomáticas com os países do Eixo era fundamental o apoio do governo brasileiro, então chefiado por Getúlio Vargas. Vargas aceitou a oferta estadunidense de reforçar os efetivos militares na fronteira com a Argentina, a qual também incluía a construção de duas novas bases aéreas na região, uma em Santa Maria (RS) e outra em Curitiba (PR). A partir daí o reforço militar da fronteira sul do Brasil foi implementado, levando a um substancial aumento do poderio ofensivo do Exército Brasileiro, expresso no número de novos canhões (93), metralhadoras (399), tanques (182) e outros veículos blindados (54) enviados para a região.
O esforço de intimidação deu certo. Em 26 de janeiro de 1944 a Argentina finalmente rompeu relações diplomáticas com os países do Eixo. Acabava assim o último foco de subversão nazista na América Latina, um episódio representativo da importância das atividades de inteligência e espionagem na condução das relações internacionais em tempo de guerra.
Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e autor do livro “Aliança Brasil-EUA: nova história do Brasil na Segunda Guerra Mundial”, disponível aqui.