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17/04/2024



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A comissão de ignorantes em temas de Defesa do Senado

 A comissão de ignorantes em temas de Defesa do Senado

No dia 6 de maio ocorreu uma audiência pública da Comissão de Relações Exteriores e Defesa (CRED) do Senado Federal. A comissão é composta por 19 senadores e conta com igual número de suplentes. Para auxiliar cada senador são empregados em média de 22 a 51 assessores. A despeito de dispor de impressionante força de trabalho intelectual de muitas dezenas de pessoas a Comissão perdeu totalmente a oportunidade não só de questionar as atuais políticas na área como adiou indefinidamente a discussão sobre a necessária e urgente reformulação da Política Nacional de Defesa (PND). No limite, o evento serviu apenas para confirmar que tal comissão é composta – e assessorada – exclusivamente por ignorantes em temas de Defesa.

 

Na citada audiência estavam presentes o Ministro da Defesa e os comandantes militares da Marinha, Exército e Aeronáutica. O objetivo era debater os projetos da pasta e a PND. Na prática o que se viu foi um evento puramente formal, simbólico e decorativo. Tudo se passou como se o mundo já não estivesse à beira de uma Terceira Guerra Mundial, resultado da altamente provável superposição da Guerra da Ucrânia iniciada em 2022 com a próxima e iminente Guerra por Taiwan. Ao invés de se falar sobre os riscos imensos que pairam sobre a Segurança Nacional e as medidas necessárias para enfrentá-las os congressistas se limitaram a “homenagear” as autoridades presentes e assumir terem recebido “lições” e “aulas” destas sobre assuntos de Defesa.

 

O Comandante da Marinha em sua fala destacou a rápida obsolescência dos meios navais disponíveis. Segundo ele em poucos anos a Marinha de Guerra será obrigada a desativar a maior parte de suas embarcações, uma vez que são escassos os recursos financeiros para mantê-las e foram perdidos no processo geral de desindustrialização nacional os meios de fabricação de novas belonaves. Ele também admitiu que a quase totalidade da verba destinada à Marinha é gasta com a folha de pagamento de pessoal, da ativa e da reserva. A nenhum dos membros presentes da CRED ocorreu perguntar ao Comandante da Marinha se é realmente necessário manter em seu quadro de pessoal mais almirantes do que possui a imensamente maior Marinha de Guerra dos Estados Unidos e, em caso negativo, se os recursos assim economizados não poderiam então ser direcionados para a construção de novos e atualizados navios de guerra.

 

O Comandante do Exército em sua fala defendeu a manutenção de práticas arcaicas, obsoletas e historicamente superadas como o Serviço Militar Obrigatório e a política de ocupação das regiões centro-sul do país pela maior parte do efetivo disponível. Indiretamente acabou admitindo que meros 10% do efetivo total do Exército Brasileiro se encontram na Amazônia que corresponde à maior porção do território nacional. Nenhuma destas alegações da maior importância e de caráter absolutamente decisivo para o futuro da Defesa Nacional foi questionada pelos senadores.

 

Um ganho mínimo foi conquistado por um dos senadores, o qual questionou o fato do “seu município” na Região Amazônica não possuir um Pelotão de Fronteira do Exército. No ato de rebaixamento do Senador da República à condição de “vereador federal” se obteve o único avanço real proporcionado pela audiência pública: o comandante do Exército se comprometeu a atender ao pedido do Senador em instalar no “seu município” um Pelotão de Fronteira. Tratou-se, pois, de um acerto puramente aleatório, resultado da ação de um “vereador federal” a qual foi correspondida pela prática clientelística do Comandante do Exército. E foi só.

 

Finalmente, o Comandante da Força Aérea Brasileira (FAB) falou sobre a Defesa Aérea e Espacial. Admitiu que desde a fundação da FAB a tarefa de controle do espaço aéreo de interesse da aeronáutica civil segue sendo exercido conjuntamente com a defesa do espaço aéreo, ambas atribuições daquela força. Também falou sobre o novo satélite de acompanhamento de queimadas na Amazônia, um caríssimo investimento despropositado e sem sentido estratégico do governo anterior, destinado apenas a inutilmente tentar desmoralizar os dados gerados pelos órgãos de defesa do meio ambiente e de pesquisa espacial. Nem a militarização do controle de tráfego aéreo nem a ingerência da FAB na gestão ambiental foram questionadas pelos senadores presentes.

 

A audiência pública foi, de fato, um evento imensamente vexatório e constrangedor. O que se pode constatar é que foi gerada uma evidência a mais a comprovar o fato há muito estabelecido de que os parlamentares não entendem e não fazem questão alguma de entender as questões afetas à área da Defesa Nacional, reconhecidamente uma política pública bastante específica, de grande complexidade técnica e organizacional e geralmente despida de apelo eleitoral junto às bases regionais dos congressistas.

 

As questões afetas à Defesa Nacional não podem mais seguir sendo tratadas pelo Congresso Nacional de forma desinteressada, alienada e puramente protocolar. As várias e múltiplas ameaças à Segurança Nacional requerem um debate qualificado, capaz de forjar um novo consenso político em torno das prioridades da Defesa e das formas de serem mantidas e financiadas. A sucessão de novos e cada vez mais letais conflitos armados por todo mundo, prometendo arrastar o Brasil para neles tomar parte, indicam que o tempo disponível para tais discussões está rapidamente se esgotando.

 

Se de fato existem razões de ordem estrutural que levam os congressistas a se manterem ignorantes e alienados das questões de Defesa como há tempos vem sendo demonstrado pela literatura especializada, então cabe pensar num novo arranjo institucional. A sugestão é que seja criada uma Instituição de Defesa Independente, com quadros técnicos e profissionais concursados e de carreira do serviço público, aos moldes da Instituição Fiscal Independente (IFI) criada no Senado em 2016. Se e quando tal instituição for criada talvez se possa contar com o Congresso Nacional para ajudar a pensar e legitimar uma nova, urgente e indispensável PND.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e autor de “Guerra Eletrônica, espionagem e soberania nacional: a Radio Intelligence Division no Brasil (1942-1945)” para baixar clique aqui.


Leia outras colunas do Dennison de Oliveira aqui.

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