Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em 20 de dezembro de 1996 se estabeleceu no artigo 62 que a formação de docentes para atuar na Educação Básica seria realizada em nível superior, em curso de licenciatura plena. Também foi inicialmente admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a de nível médio na modalidade normal.
A LDB também determinou em suas disposições transitórias a vigência da Década da Educação (1997-2007) ao fim da qual não mais seriam admitidos em sala de aula de Educação Básica profissionais sem formação específica em nível superior. Decorridos 26 anos da promulgação da Lei e outros 15 anos do fim da Década da Educação nota-se o fracasso na imposição de tais determinações.
Os dados mais recentes disponíveis a respeito são os do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), contidos no Censo da Educação realizado em 2019 e publicado no ano seguinte. Na educação infantil 76,3% dos professores possuem nível superior completo, mas destes 73,3% cursaram licenciatura enquanto 3% se formaram apenas no bacharelado, um curso que não habilita ao exercício da profissão docente. Pior ainda, 15,3% têm apenas curso de ensino médio normal/magistério e outros 8,5% têm somente nível médio ou inferior.
No ensino fundamental 84,2% têm nível superior completo. Mas, apenas 80,1% cursaram uma licenciatura enquanto 4,1% fizeram apenas bacharelado. Outros 10,6% têm ensino médio normal/magistério e 5,2% têm nível médio ou inferior. No ensino médio 96,8% dos professores têm nível superior completo, sendo 88,5% com licenciatura e 8,3%, bacharelado. Outros 3,1% possuem formação de nível médio ou inferior.
Estas médias ocultam graves deficiências em disciplinas específicas. Por exemplo, em artes apenas 37,4% das turmas são atendidas por docentes com formação adequada. Na disciplina de língua estrangeira apenas 36,8% das turmas são ministradas por professores com formação superior de licenciatura ou equivalente na mesma área da disciplina. Estima-se que 40% dos professores formados ministram aula em disciplinas fora da sua área de formação.
A persistência de professores sem formação em licenciatura ou de formação diferente da área na qual atuam promete se arrastar ainda por muito tempo comprometendo a qualidade do ensino e o processo formativo dos estudantes. Na manutenção deste estado de coisas atuam diversas instâncias. Da parte do poder público as seguidas aberturas dos famigerados Processos Seletivos Simplificados (PSS) segue sendo uma porta aberta ao exercício da profissão docente por parte de pessoal ainda em formação ou sem qualquer habilitação para exercer a profissão de professor. No que se refere às escolas particulares o enquadramento na legislação é puramente opcional, tamanha a indiferença criminosa de órgãos fiscalizadores públicos (Ministério Público, Secretaria Estadual de Educação etc.) e da sociedade civil (sindicatos patronal e de professores) interessados em cumprir e fazer cumprir a lei como demonstro em meu mais recente livro sobre o assunto. A recente reforma do ensino médio, as escolas cívico-militares e a possibilidade de se tornar professor por “notório saber” são outras graves ameaças à profissionalização docente no Brasil.
A desvalorização dos professores, o desmonte da carreira docente, a não-implementação do piso salarial, o desprestígio social, a desregulamentação dos processos seletivos por parte dos poderes públicos, o caráter instável e estressante da carreira, dentre tantos outros fatores têm levado a uma queda drástica no número de interessados em cursar licenciaturas em nível superior que formam professores. Contudo, esta falta de professores não tem levado a qualquer melhoria nas suas condições de remuneração que seguem cada vez mais defasadas em relação à alta do custo de vida. Este aparente paradoxo é explicado pela existência de um reservatório imenso de potenciais professores que, mesmo não dispondo de habilitação legal para a prática docente, seguem exercendo a profissão e se oferecendo para preencher as vagas em aberto.
Não precisamos assistir a perda de mais décadas para reverter esta situação. A valorização do professor implica, dentre outras coisas, na erradicação de todos que exercem a profissão de forma irregular, sem a formação legal exigida. Para tanto basta cumprir a lei, no caso, a maior das leis da educação, a LDB.
Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e autor de “Bizarra e Grotesca Inversão: a luta perdida contra o exercício ilegal da profissão de professor no Brasil (2006-2021)” da Editora LAECC (2021) disponível AQUI.