Há tempos a utilidade do uso de fontes históricas em sala de aula para o ensino de História é amplamente reconhecida. Cabe comentar aqui algumas das implicações da utilização de antigos jornais e revistas para o ensino de História.
As fontes históricas devem assumir um papel fundamental de significação na estrutura cognitiva do aluno. O uso de documentos históricos em sala de aula deve ajudar a demonstrar as representações que determinados grupos forjaram sobre a sociedade em que viviam, como pensavam ou sentiam, como se estabeleceram no tempo e no espaço. O uso de fontes também deve servir para que o aluno seja capaz de elaborar diferenciações que permitam fazer a leitura das distintas temporalidades as quais estamos submetidos.
Em comum à maioria das considerações teóricas sobre o assunto está o reconhecimento de que a fonte a ser usada em sala de aula de Educação Básica não pode ser tomada apenas como ilustração ou mero reflexo desinteressado da época a que se refere. Pelo contrário, deve-se inquirir as condições sociais de produção da fonte, ou seja, tomar como questão não apenas o passado, mas o que, como e de que forma cada fonte se refere a este passado. As fontes históricas não devem ser reduzidas a uma mera ilustração de conteúdos, uma vez que se traduzem em artefatos culturais repletos de intencionalidades.
Cabe ao professor assumir a responsabilidade em criar as condições e prover as informações necessárias para que os estudantes procedam às operações intelectuais necessárias a tal crítica documental. Neste processo, assume grande importância as pesquisas e leituras introdutórias e complementares à fonte que se pretende examinar. Um pré-requisito importante é a pesquisa bibliográfica precedente para que o aluno possa entender o contexto relacionado ao jornal ou revista estudados.
Ao examinar antigos jornais e revistas devemos promover o diálogo com o texto, questionar as ideias apresentadas, compará-las com outras abordagens; fazer relações com o momento presente, de forma a perceber no tema as continuidades, descontinuidades, semelhanças e diferenças; selecionar artigos (antigos e atuais) que possam servir de apoio para o tema que queremos tratar; refletir sobre o texto, interpretar as ilustrações de forma objetiva e explicitar sua ideia central; promover discussões em grupo e, posteriormente, elaborar conclusões, possibilitando ao aluno formar sua opinião sobre o assunto.
É sempre importante ressaltar que, no uso de jornais e revistas antigas em sala de aula, devemos ter o cuidado de identificar a notícia como um discurso que não é neutro, pois defende grupos, ideias e interesses, apresentando, assim, compromissos políticos e sociais. No que diz respeito especificamente à análise e intepretação de fontes periódicas seriadas, cabe citar a metodologia há tempos consagrada por Tânia Regina de Luca (2004) composta de várias etapas. Vale a pena comentar cada uma delas em se tratando de antecipar as iniciativas que devem preceder seu uso em sala de aula de Educação Básica.
A primeira das providências diz respeito à constituição de uma série ampla e extensa de periódicos. Quanto mais extensa for a coleção examinada, tanto maior a possibilidade de se perceber as referências ao seu contexto social de produção. Esta operação vem se tornando a cada dia mais fácil, na medida em que diferentes acervos documentais vão sendo digitalizados e disponibilizados na Internet.
Um segundo procedimento é o exame das características de ordem material dos periódicos pesquisados. Dentre esses se incluem a periodicidade, a técnica de impressão, o tipo do papel utilizado, o uso da iconografia e as formas que assume a publicidade. A maior parte destas informações pode ser buscada nos próprios periódicos, complementado com pesquisa bibliográfica sobre as técnicas de produção industrial de impressão da época.
A terceira etapa da pesquisa é, talvez, a mais importante, uma vez que se trata de analisar e interpretar a organização interna dos conteúdos dentro do periódico. É fundamental se levar em conta que a organização do conteúdo é reveladora tanto do poder de definição da entidade que o publica, quanto das prioridades editoriais assumidas (ou não) pelos gestores.
Em cada jornal ou revista existem espaços mais nobres, mais prestigiados e de maior destaque na capa e no início da publicação, ao lado de outros com características inversas. É necessário descrever e analisar quais matérias e temas são os mais recorrentes na composição da capa, das notícias em destaque e do editorial da publicação e, inversamente, quais conteúdos são relegados às seções de menor importância; quais colunas e colunistas tem mais destaque e frequência garantida; como as diferentes seções se denominam e que conteúdo apresentam; e como tal organização interna dos conteúdos mudou ao longo do tempo. Devido ao caráter revelador de tais procedimentos eles terão de preceder, como material de contextualização, até mesmo ao exame dos próprios conteúdos a serem abordados na pesquisa.
Uma quarta etapa da metodologia de pesquisa diz respeito a caracterização das imagens. O exame e a interpretação do material imagístico requerem distintas metodologias voltadas para o uso de fontes como fotografias, mapas, desenhos, caricaturas etc. e que, por razões de espaço, não serão aqui tomadas como objeto de discussão teórico-metodológica específica. De qualquer forma é importante se atentar para o exame de quais opções estéticas e/ou funções políticas e institucionais cada suporte imagístico cumpre no interior da publicação.
O quinto procedimento metodológico trata de caracterizar o grupo responsável pela publicação como controladores, gestores, diretores, redatores e os principais colaboradores. Tais informações podem ser buscadas em obras que abordam os periódicos tratados ou na literatura que se dedica à história da imprensa daquele período.
Os demais componentes da metodologia da pesquisa dizem respeito à identificação do público a que se destinavam os periódicos e das fontes de receita deles. No primeiro caso trata-se de buscar informações na bibliografia pertinente; no segundo, deve-se pesquisar tanto a tiragem lograda pelas publicações, geralmente informada no próprio periódico, quanto o perfil dos anunciantes. Será necessário a elaboração de uma tipologia dos anunciantes e a qualificação da recorrência com que seus produtos e serviços eram anunciados nestas mídias.
Finalmente, é o caso de salientar que a adoção destes procedimentos metodológicos pretende ter aplicabilidade geral, ressalvadas as características específicas de cada periódico a ser pesquisado. O uso de fontes históricas é importante não apenas para habilitar os estudantes de Educação Básica a interpretar esse tipo de material. Mais ainda, tal prática também acabará por ser útil para formar leitores e consumidores de notícias mais críticos e conscientes.
Dennison de Oliveira é Professor Sênior de História na UFPR e autor de “Uso de periódicos para o ensino de história na educação básica – Projeto 1917: mídia, guerra, greve e revolução” para baixar de forma pública e gratuita clique aqui.
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