O monitoramento da radiocomunicação no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial (1942-1945) foi exercido por uma entidade do governo dos Estados Unidos. Tratava-se da Divisão de Rádio Inteligência (Radio Intelligence Division – RID) da Comissão Federal de Comunicações (Federal Communications Commission – FCC). Tal organização foi responsável pela criação da primeira rede de monitoramento de radiocomunicações no Brasil àquela época. O episódio é significativo por revelar a dependência do Brasil de tecnologia estrangeira para garantir a própria segurança nacional.
Dentre as várias funções exercidas pela entidade cabem destacar a localização e neutralização das transmissões de rádio de espiões nazistas no Brasil, permitindo que fossem presos e condenados; o monitoramento das transmissões de estações de rádio comerciais de países inimigos e neutros, cujos conteúdos podiam afetar a moral de guerra das populações dos países aliados; e, o estabelecimento de normas e padrões de operação para os diferentes usuários do espectro de frequências eletromagnéticas.
Os primeiros elementos da RID chegaram ao Brasil no final de março de 1942. Até então o monitoramento da radiocomunicação e da radiodifusão no Brasil era atribuição do Departamento dos Correios e Telégrafos. Porém, sem a atuação da RID não teria sido possível, por exemplo, revelar as emissões clandestinas e as então proibidas comunicações entre navios mercantes brasileiros e suas bases em terra.
Segundo os registros da entidade entre 14/03/1942 e 20/03/1942 consta que navios mercantes brasileiros como o Alegrete, 3 de outubro, Barbacena, Cabedelo, Almirante Alexandrino, Siqueira Campos, Santarém, Vitoria, Bagé e Comandante Ripper trocaram mensagens entre si e com a sede do Loide Brasileiro na cidade do Rio de Janeiro, geralmente por motivos fúteis e dispensáveis. Entre os navios citados nada menos de quatro deles (Barbacena, Alegrete, Cabedelo e Bagé) viriam a ser afundados pelos submarinos nazistas, muito provavelmente devido ao grau de exposição de suas comunicações.
Em 30/03/1942 a organização já havia detectado um grande número de estações particulares de rádio subversivas estão operando em e próximo ao Rio de Janeiro. Também as estações de rádio comerciais eram monitoradas, uma vez que podiam servir como fachada para ocultarem transmissões clandestinas. Para ocultar as atividades da RID foi criado o “Serviço de Monitoramento de Defesa” dentro do Departamento de Correios e Telégrafos.
Em abril de 1942 já havia seis estações de rádio monitoramento em operação vinte e quatro horas por dia: Belém (PA), Natal (RN), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ) Belo Horizonte (MG) e São Paulo (SP). Outras duas estações estavam prestes a serem abertas em Porto Alegre (RS) e em um ponto a meio caminho entre Belém e Natal. Também estava prevista uma unidade móvel a ser montada em um automóvel para ajudar a melhorar a precisão da localização dos emissores clandestinos.
Em junho de 1942 a RID descobriu que havia estações argentinas em comunicação com a Alemanha. No mês seguinte o número de estações clandestinas já identificadas era de 300 sendo que a localização de cerca de 220 delas ainda estavam em aberto. Todo tráfico monitorado era copiado através de receptores e gravadores.
Outra descoberta relevante da RID no Brasil foi a de que rádios de navios argentinos estavam interferindo no comprimento de onda da faixa de socorro. Descobriu-se que quando sinais de socorro de navios torpedeados estavam sendo enviados, alguns transmissores de navios argentinos entravam no ar emitindo sinais de chamada comuns. Isso levou à suspeita de que navios da marinha mercante estatal argentina, antes pertencentes a países do Eixo, estariam com marinheiros italianos a bordo, responsáveis por tais emissões de interferência de rádio.
Com o fim da guerra a rede de monitoramento de radiocomunicações da RID no Brasil foi desativada. Mas o episódio segue sendo um exemplo dos riscos e ameaças a que o Brasil se expõe ao depender de tecnologia estrangeira para garantir sua própria segurança.
É notável como nosso presente estatuto colonial na Era Digital só piora. O recente documento do Ministério da Defesa de 30/08/2024 sobre o uso tornado indispensável de satélites de uma empresa privada estadunidense deveria ter sido entendido como um manifesto de autodissolução do Exército e da Marinha, tamanho grau de dependência estrangeira e submissão colonial ali expresso. Mas tais vexames e perigos seguem inquestionados, no Brasil que desistiu de atualizar e manter sua própria Política Nacional de Defesa e segue cego e surdo a noção de que assuntos militares devem ser deixados exclusivamente a cargo do pessoal militar.
Dennison de Oliveira é professor Sênior de História na UFPR e autor de “Guerra Eletrônica, Espionagem e Soberania Nacional: a Divisão de Rádio Inteligência (Radio Intelligence Division) da Comissão Federal de Comunicações (Federal Communications Commission) dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial no Brasil (1942-1945)”, para baixar de forma pública e gratuita clique aqui.
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