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Os militares não devem voltar aos quartéis

13/12/2022
militares

O intenso envolvimento dos militares, particularmente do Exército, com a administração pública e a política partidária nos últimos anos tem despertado o clamor generalizado pela volta destes aos quartéis. Originalmente, o apelo ao retorno dos militares aos quartéis remonta ao final da Ditadura Militar (1964-1985). No contexto da redemocratização brasileira (1985-1989) a volta dos militares aos quartéis implicava no afastamento da política. No lugar do envolvimento com a política partidária foi adotada então a dedicação exclusivamente aos assuntos militares, no sentido da profissionalização do pessoal fardado. É também neste sentido que a expressão voltou a circular em tempos recentes. Este texto busca demonstrar que, pelo contrário, no interesse do afastamento da política e na dedicação aos temas profissionais, os militares jamais deveriam voltar aos quartéis.

É grave o peso da tradição na alocação dos efetivos do Exército Brasileiro. Até hoje o Exército utiliza, em sua maior parte, dos históricos aquartelamentos construídos na gestão do Ministro da Guerra Pandiá Calógeras (1919-1922). Foi a partir desta gestão que foi planejado e desenvolvido o Programa de Construção de Quartéis, a cargo da Companhia Construtora de Santos, então propriedade de Roberto Simonsen. Tratava-se do maior programa de construção de obras públicas da história brasileira. Foram construídos 61 novos quartéis, cinco quartéis generais, cinco hospitais militares, cinco armazéns, um aeroporto, um estádio, um lago artificial para treinamento, além de reformados ou ampliados outros 45 quartéis já existentes.

Até então a fronteira que inspirava maiores cuidados era a sul. A vizinha Argentina era tida e considerada como o mais provável antagonista em potencial num eventual conflito militar, seguindo nesta condição até o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Ao mesmo tempo a região central, a mais rica, importante e desenvolvida do país, também demandava efetivos militares para sua defesa. Fazia sentido, então, concentrar efetivos na região centro-sul. Assim, o Estado de Minas Gerais recebeu quinze dos novos quartéis previstos no programa de construções. São Paulo recebeu doze novos aquartelamentos. No Rio Grande do Sul foram construídos 26 quartéis. E assim sucessivamente.

A concentração de efetivos do Exército no centro-sul foi funcional para dar conta das ameaças existentes à época. Também mostrou ser útil quando da Campanha da Nacionalização (1935-1945) e na Ditadura Militar, quando o Exército foi chamado a combater os assim chamados “inimigos internos”. Mas desde então tal configuração perdeu totalmente a razão de ser. O peso histórico destes investimentos seculares condiciona até hoje a despropositada, anacrônica e irracional política de alocação de efetivos do Exército.

É consenso que a prioridade dos esforços do Exército tem que ser a Amazônia. Contudo, a política vigente é a oposta, com apenas 10% do efetivo do Exército na Amazônia que soma mais da metade (59%) do território brasileiro. Assim, 90% do efetivo do exército está fora da Amazônia, isto é, disperso sem nenhum sentido estratégico na porção menor (41%) que é o resto do país. Esta é a primeira razão pela qual os militares não devem voltar aos quartéis, pelo contrário, cabe planejar a extinção ou transferência de praticamente todas as unidades do Exército existentes no centro-sul do país para a Amazônia.

A segunda razão diz respeito à proximidade dos quartéis com áreas urbanas. Quando foram construídos um século atrás a maioria dos quartéis do Exército ficavam fora do quadro urbano. Com o crescimento demográfico verificado desde então tais aquartelamentos acabaram engolfados pela malha urbana. Tal fato prejudica gravemente a utilidade de tais quartéis para fins de treinamento, compromete a segurança do entorno imediato da unidade e faz de tais instalações presa fácil de manifestações de cunho político.

No momento em que este texto é escrito ainda existem dezenas de organizações militares, sediadas nas mais importantes cidades brasileiras, sujeitas ao cerco de manifestantes que clamam por uma intervenção ou golpe militar. Objetivamente que tal estado de coisas só pode ter fim e jamais voltar a se repetir se forem eliminados, como prioridade, todos os quartéis presentes na malha urbana das cidades brasileiras. Será inútil a volta dos militares aos quartéis se a qualquer momento estes podem ser cercados por hordas de fanáticos clamando pela sua intervenção na política.

O que se constata é que os militares não devem voltar aos quartéis. Isso se deve, primordialmente, ao fato de que tais quartéis não devem mais existir. Estes aquartelamentos têm que ser extintos, bem como suas instalações vendidas a fim de financiar a realocação dos efetivos na Amazônia.

Além da defesa da Amazônia o Exército Brasileiro tem que se dedicar a Guerra Cibernética. Necessitamos com urgência obter total domínio nacional das tecnologias de comunicação, criptografia, vigilância e monitoramento dos meios de comunicação bem como da hospedagem de bancos de dados empregados pelos poderes públicos. Para além de uma política mínima de segurança das comunicações é fundamental a atualização das estratégias de Guerra Cibernética. Isso implica no desenvolvimento de capacidades defensivas (fechar o ciberespaço brasileiro a todos provedores de internet e telefonia estrangeiros) como ofensivas (incapacitar total ou parcialmente infraestruturas essenciais dos outros países como as dedicadas ao fornecimento de água, energia, comunicações). No interesse da sua despolitização e profissionalização os militares jamais deverão voltar aos quartéis. Nem uma coisa nem outra será possível se realizar com os militares “voltando aos quartéis” anacrônicos e arcaicos construídos cem anos atrás.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR, coautor em parceria com Vitelio Brustolin e Alcides Peron do artigo “Exploring the relationship between Crypto AG and the CIA in the use of rigged encryption machines for espionage in Brazil” (Cambridge Review of International Affairs, 2020)

 

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1 Comentário

  • Nao devem controlar a inteligencia nem muito menos a guerra cibernetica, serao golpes ciberneticos. O resto eu concordo.

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