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Políticas públicas para a televisão privada no Paraná (1975-1988)

20/09/2024
televisão

A televisão foi a mais importante mídia de massa eletrônica a atingir a maior parte do território nacional já ao final da década de 1980. O senso comum atribui a nacionalização do alcance do sinal televisivo exclusivamente aos investimentos realizados pela iniciativa privada, como se fosse uma reação natural dos empresários ao crescimento do mercado. Contudo, o exame das políticas públicas adotadas na época permite perceber que diversas agências do Estado agiram no sentido de transformar a televisão brasileira, de um meio de comunicação restrito a alguns poucos grandes centros urbanos, num veículo de alcance efetivamente nacional.

 

Foi na metade da década de 1960 que a televisão brasileira alcançou sua maturidade, transformando-se efetivamente num moderno e atualizado meio de comunicação de massas. Porém, a despeito de um crescimento extraordinário, a televisão ainda não dispunha de meios de transmissão simultânea, nem oferecia área de cobertura de abrangência nacional para seu sinal.

 

Esta é a importância do esforço que, entre 1967 e 1973, a EMBRATEL (Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A.) efetuou, no sentido de interligar por troncos de estações de micro-ondas todas as capitais e grandes cidades do Brasil. A EMBRATEL foi criada em 1962, entrando em operação três anos mais tarde. Entre as suas finalidades básicas estavam a dotação de infraestrutura no campo das telecomunicações para todo o país, estendendo serviços de telefonia, telex, fax, transmissão de dados, transmissão de alta-fidelidade e televisão. Assim, entre 1967 e 1972 foram implantados aproximadamente 20.000 quilômetros de troncos, operando com estações repetidoras instaladas a uma distância média de 50 km.

 

No entanto, o raio de alcance das emissoras privadas de televisão seguia restrito às grandes cidades onde elas operavam. Continuava em aberto o problema da extensão do sinal de televisão àquelas cidades e regiões que, apesar de se constituírem em mercados expressivos para a venda e recepção de inserções publicitárias televisivas, jamais poderiam gerar a receita necessária à manutenção de uma cara e sofisticada estação geradora de sinal de televisão.

 

No início da década de 1970 o Estado do Paraná só contava com sete emissoras de televisão, instaladas justamente nas suas maiores e mais importantes cidades. Estas emissoras vinculavam uma programação oriunda da Rede Globo, Rede Tupi ou eram independentes. A penetração deste meio de comunicação era restrita a poucos grandes centros (Curitiba, Londrina, Ponta Grossa), permanecendo sem possibilidade de recepção do sinal televisivo, vastas regiões do Estado e a maior parte da sua população.

 

A primeira política pública voltada para a universalização do acesso ao sinal das estações de televisão privadas foi desenvolvida pela Associação dos Municípios do Sudoeste do Paraná (AMSOP). Esta associação foi formada em 1969 por alguns municípios paranaenses da região sudoeste, isto é, aqueles localizados próximo da divisa com o Estado de Santa Catarina e a fronteira da Argentina.

 

Em 1975 a AMSOP projetou e construiu um sistema que cobria com o sinal da televisão privada todos os 25 municípios da associação através de estações retransmissoras instaladas em oito deles. O sinal televisivo gerado pela TV Iguaçu, localizada em Curitiba, era trazido até a região Sudoeste por um enlace de 8 estações repetidoras dispostas a intervalos aproximados de 50 km. O enlace atravessava todo o Estado no sentido Leste-Oeste, numa distância em linha reta superior a 300 km.

 

Apesar de a ação da AMSOP, atendendo ao clamor popular, “ter trazido” a televisão, a iniciativa não deixava de ser contraditória. Se os custos da implantação deste sistema foram assumidos pelo Estado (isto é, pelos contribuintes), os lucros foram colhidos pela emissora que teve o seu sinal substancialmente estendido: a TV Iguaçu, canal 4 de Curitiba.

 

Ainda mais importante que a AMSOP foram as iniciativas da RADIPAR (Paraná Radiodifusão S.A.). Esta empresa de economia mista foi criada em 1974 sendo vinculada à Secretaria de Viação de Obras Públicas. Coube à RADIPAR assumir a maior parte da tarefa de universalizar o acesso da população ao sinal das emissoras privadas de televisão.

 

Em 1978 foi inaugurada a Rota Sul-Sudeste, interligando através de sete estações repetidoras os municípios destas regiões à TV Paranaense (Curitiba). Também naquele ano foi concluída a Rota Norte, que levava a programação daquela afiliada paranaense da Rede Globo para a região, através de quatro estações repetidoras. A partir daí as pressões políticas para se usar as verbas públicas para estender o sinal de estações de TV privadas se intensificaram.

 

Em 1982 ocorreram numerosas implantações de estações repetidoras e retransmissoras, a grande maioria em total desobediência aos critérios técnicos e legais recomendados pelas normas. Nem mesmo os equipamentos reserva das estações retransmissoras mais importantes se salvaram da cobiça das autoridades políticas, exigindo seu emprego imediato para saldarem compromissos assumidos com suas bases eleitorais. De fato, entre 1974 e 1983, a RADIPAR instalou 75 estações. Entre 1983 e 1986 foram instaladas outras 40 estações. Finalmente, toda infraestrutura construída pela AMSOP foi incorporada pela RADIPAR.

 

A RADIPAR operava, por ocasião da sua extinção em 1989, mais de 130 estações de repetição e retransmissão de sinal de TV. Destas, 85 serviam a estações de TV geradoras filiadas à Rede Globo, 37 às da Rede Bandeirantes, sendo as outras divididas entre as demais redes nacionais e operadores independentes de televisão. Ao final, as estações componentes do parque transmissor da RADIPAR foram pura e simplesmente doadas aos municípios onde estes se encontravam – para grande revolta dos seus prefeitos.

 

A conclusão é que não se pode entender o sucesso das emissoras de TV privadas no Paraná sem examinar o papel desempenhado historicamente pelas políticas públicas para universalização do sinal televisivo.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e autor de “Trazer A Televisão”: Estado e Interiorização do Sinal Televisivo no Paraná (1975-1988) para ler clique aqui.

 

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