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Tanques para a Ucrânia

07/02/2023
tanques

O recente anúncio do envio de tanques à Ucrânia por parte dos maiores aliados na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) tem dado margem à muita especulação. O centro das discussões é o potencial destes veículos em alterar a correlação de forças a favor da Ucrânia e os correspondentes desafios (táticos, logísticos e climáticos) que terão de ser superados. A questão de fundo subjacente a este debate se refere à um dilema tão antigo quanto a própria arma: é mais vantajoso utilizar tanques ou armas antitanques?

 

Os tanques de guerra surgiram na forma atual em 1916. Vivia-se então o auge da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) na qual predominavam as vantagens dos defensores sobre os atacantes. De fato, a maioria das frentes de luta deste grande conflito foi dominada pela guerra de trincheiras. O alcance e o volume de fogo que os defensores protegidos em suas trincheiras podiam despejar sobre os atacantes fazia da maioria das ofensivas um tipo de suicídio em massa ritualizado, gerando perdas de centenas de milhares de homens em troca de ganhos insignificantes de terreno.

 

A solução para este impasse foi buscada no desenvolvimento dos tanques. A introdução dos tanques no campo de batalha se deu pelos ingleses e, em seguida, pelos franceses. Ambos os países construíram diferentes tipos de veículos blindados visando romper o sistema defensivo alemão, ao mesmo tempo em que protegiam sua infantaria do fogo inimigo uma vez que podia avançar atrás deles. Os alemães construíram um número insignificante de tanques apostando que poderiam deter os blindados aliados usando apenas armas antitanques: canhões, metralhadoras com munição perfurante, lança-chamas, fuzis antitanques etc. Contudo, a guerra terminou sem que o pleno potencial da nova arma pudesse ser explorado.

 

A Segunda Guerra Mundial foi, por outro lado, predominantemente uma guerra de tanques. A fase inicial do conflito foi marcada pela série de vitórias da Alemanha nazista contra seus inimigos através do emprego da guerra blindada em estreita associação com o poder aéreo para atacar alvos no solo e proteger as próprias tropas da aviação inimiga. Desde meados da Segunda Guerra Mundial, contudo, ambos os lados em conflito começaram a equipar suas respectivas infantarias com pequenos lançadores de foguetes portáteis individuais, para uso de seus soldados a pé contra veículos blindados. Tais lançadores de foguetes foram um poderoso complemento às armas antitanques já empregadas como aquelas de tipos conhecidos desde a guerra anterior, às quais se somou desde a Guerra Civil Espanhola (1937-1939) o mais barato dos dispositivos contra blindados jamais utilizado, o Coquetel Molotov. Novamente, as armas antitanques pareciam prevalecer sobre os tanques.

 

O contexto atual repõe esta questão que remonta ao início da história da guerra de blindados. Quem irá prevalecer no campo de batalha: os tanques ou as armas antitanques?

 

O exame da experiência colhida recentemente na Guerra da Ucrânia demonstra como são grandes os riscos a que se expõe os tanques quando expostos ao fogo inimigo. Para começar, inexistem batalhas de tanques. Eventos passados como a Batalha de Kursk (1943) na qual os alemães empregaram quase três mil tanques contra mais de cinco mil dos soviéticos, ou mesmo a Guerra do Yom Kippur (1973) onde se opuseram 1.700 tanques israelenses contra 2.900 da coalisão de países árabes, provavelmente jamais se repetirão.

 

Ocorre que os riscos da concentração de grande número de tanques para operações ofensivas são altos demais. Tais concentrações podem ser facilmente localizadas pela observação de satélites, reconhecimento aéreo, uso de drones ou de observadores ocultos no terreno, fazendo de grandes grupos de veículos blindados alvos preferenciais para fogo de artilharia, tanto convencional quanto de foguetes, para não mencionar a aviação de bombardeio e os drones antitanques. Como resultado, a fim de aumentar a sobrevida dos tanques quando empenhados em ação o número destes é sempre reduzido. As ações de tanques geralmente são desempenhadas por veículos isolados ou, no máximo, operando em duplas.

 

Embora notoriamente frágeis diante de tais armamentos, os tanques seguem sendo indispensáveis. Como notado desde a estreia em combate deste tipo de arma na Primeira Guerra Mundial, somente os tanques são capazes de seguir manobrando quando expostos ao fogo inimigo, uma situação tática na qual todos demais elementos de combate têm que parar para se proteger ou então fugir.

 

A destruição de fortificações, de posições de artilharia, morteiros e demais armas pesadas inimigas no combate aproximado dificilmente pode prescindir do apoio dos tanques. Contudo, é justamente nesse tipo de combate que os tanques se expõem às armas antitanques portáteis, o que torna obrigatório que sejam apoiados pela ação da própria infantaria bem como por outras armas de longo alcance. O estudo detalhado das ações de combate na Guerra da Ucrânia permitirá estabelecer com mais precisão o grau de fragilidade e/ou utilidade dos tanques em diferentes situações táticas.

 

O que está fora de questão é que, independentemente do grau de fragilidade diante da oposição encontrada, os tanques seguem sendo indispensáveis para ações ofensivas e, provavelmente, também ainda tem um importante papel a desempenhar na cobertura de movimentos de retirada. Por isso as autoridades militares ucranianas exigem de seus aliados na OTAN a entrega de pelo menos trezentos tanques, contrastando com o oferecimento inicial de britânicos, alemães e estadunidenses de cerca de metade deste número.

 

Além do número relativamente reduzido de tanques que a OTAN está oferecendo aos ucranianos, cabe destacar as implicações do seu uso naquele teatro de operações. Por um lado, o emprego de blindados de origens tão diferentes coloca o desafio de treinar do zero as tripulações, o pessoal de manutenção e logística. O abastecimento e reparo destes veículos irá exigir a implantação de cadeias logísticas completamente novas e desconhecidas do pessoal militar ucraniano, todas de grande complexidade. Finalmente, o terreno e o clima ucranianos, para os quais os veículos britânicos, alemães e estadunidenses não foram projetados para operar promete ser um fator complicador a mais.

 

O que se pode concluir é que o envio de tanques para Ucrânia dificilmente será capaz de promover a reversão do domínio por parte dos russos do campo de batalha. Por outro lado, o simples anúncio do envio destes veículos já foi suficiente para antagonizar ainda mais a Rússia contra a OTAN, levando a uma escalada de ameaças mútuas de aprofundamento e expansão do conflito. É possível que estejamos diante de mais um caso de busca de vantagens táticas que redundou apenas em mais riscos de ordem estratégica.

 

E o Brasil? Segue sendo um mistério os pressupostos que levaram o Exército Brasileiro a adquirir ano passado quase uma centena de blindados sobre rodas italianos ao custo de mais de cinco bilhões de Reais. A única certeza é que tal compra não foi baseada na experiência recente da Guerra da Ucrânia. Tal compra pode ser um indicador a mais da mediocrização da Política Nacional de Defesa.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e autor de “Extermine o inimigo: blindados brasileiros na Segunda Guerra Mundial” (Juruá Editora, 2015)


Leia outras colunas do Dennison de Oliveira aqui.

1 Comentário

  • Excelente, Professor!

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