Nos anos finais da década de 1950, a Companhia Telefônica incorporou o prefixo 4 nos telefones de Curitiba. Antes eles só tinham quatro dígitos. Foi assim que a linha instalada lá em casa, em 1961, tinha por número o 4-2037. Anos mais tarde, o 4 foi substituído pelos prefixos 22 e 23. O 24 significava linha recém-instalada.
Possuir telefone significava comodidade, além de constituir patrimônio, incluído na declaração anual de renda do proprietário. Nem todas as residências possuíam o apetrecho. Ainda assim, havia mais aparelhos do que linhas disponíveis, o que significava que, nas horas de pico, como nos fins da tarde, fôssemos obrigados a ficar com o telefone ao ouvido por tempo indefinido, esperando que o tom contínuo da linha disponível entrasse.
Algumas situações geravam nervosismo extremo. Lembro-me que, certa tarde, uma prima minha tinha viagem às 18h, saindo da antiga Estação Rodoviária, hoje Terminal Guadalupe. Era preciso chamar um táxi, mas a linha não entrava. Eu já estava disposto a ir correndo até o ponto de táxi em frente ao Cine Marajó, quando a bendita linha apareceu, com o tempo no limite. Ela não deixou de amaldiçoar o primo que deveria ter sido prudente, ficando com o aparelho no ouvido desde uma hora antes.
O efeito colateral do telefone eram os vizinhos telefonistas. Tínhamos alguns, digamos, clientes. Pessoas amigas que usavam o nosso aparelho para ligar, um favor que se prestava. O problema é que esses vizinhos recebiam ligações, o que nos obrigava, a mim e aos meus irmãos, a correr para avisar o destinatário que havia telefonema para ele. Já saíamos xingando até a décima geração da pessoa procurada.
Era o tempo dos trotes, algo que a tecnologia fez acabar. Por exemplo: havia um professor de nome eslavo, terminado em “inski”, e que não era Leminski, que tinha ódio em ser confundido com um polonês, por ser ucraíno, como muitos dos próprios colonos ucranianos de identificavam. A diversão era ligar para o número do professor, encontrado na lista telefônica, e perguntar com toda a educação se ele poderia traduzir um documento escrito em polonês. O passo seguinte era ouvir uma torrente de xingamentos em português e em ucraniano – ou, pelos menos, era isso o que tom de voz representava. Restava agradecer com um “dindobre panhe’, ou seja, muito obrigado, em polonês, antes de desligar. E morria-se de rir.
Hoje somos vítimas de golpes, não mais dos inocentes trotes que marcaram a adolescência de diversas gerações. O mundo ficou menos paciente e muito mais agressivo. Sinal dos tempos.
Mas que aquilo era divertido, não há como negar.
Leia outras colunas do Ernani Buchmann aqui.