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05/05/2024

A literatura de Guido Viaro

guido

Se não tive a oportunidade de conhecer Guido Viaro, o pintor, a vida ofereceu a chance de conviver com Constantino Viaro, seu filho, na Fundação Cultural de Curitiba, da qual éramos diretores. Guido, Túlio e Mariana, filhos de Constantino e Vânia, eram crianças.

 

De longe acompanhei o crescimento da piazada. Guido andou pelo mundo, transformou-se em cineasta – como seu irmão – e descobriu a literatura. Revelou-se um autor fértil, encadeando mais de 20 romances nos anos seguintes, criando uma trajetória sui generis na prosa brasileira. Aos 44 anos já estava entre os imortais da Academia Paranaense de Letras.

 

Sua obra contrapõe-se ao axioma de Tolstói, hoje lugar-comum nos conselhos a novos escritores, de que ao cantar sua aldeia o autor de tornará universal. Nem sempre, cabe observar: tudo depende do talento da obra gestada.

 

Guido Viaro não levou a frase em consideração. Não que tenha deixado de cantar Curitiba – seu conto Benjamin Vermelho, foi inspirado na mítica crônica poética de Dalton Trevisan (de quem é amigo), Em Busca de Curitiba Perdida. Dalton, sabemos, é o maior conhecedor dos curitibanos entre todos os curitibanos que habitam ou habitaram este mundo.

 

A principal característica da literatura de Viaro é não ter fronteiras. Ela transita desenvolta por diversas paragens, apropriando-se da proximidade do autor com a Europa, tanto pela vivência familiar como pelo fato de ter sido guia turístico na Europa.

 

Em primeiro lugar, seus livros trazem essa surpresa: não sabemos se a narrativa se passa em Berlim (no zoológico, metáfora bem urdida da humanidade), nos becos de Paris ou nos caminhos que cruzam os Alpes, de Trieste ao Mediterrâneo. As tramas podem sair de Oslo e dar com os costados em Calcutá. Ou viajar na mente de cada personagem.

 

Eis, então, a essência da obra de Guido Viaro. Como proclamou o contista Marcio Renato dos Santos, especialista em literatura contemporânea, seus livros trazem “textos fortes, nos quais personagens anônimos transitam em meio ao caos contemporâneo”. É um bom lead, uma boa abertura para se entender a problemática dos tipos criados pelo autor.

 

Guido não usa apenas a ironia, mas aqui e ali chega ao escárnio. Ele não protege os personagens, pelo contrário: escalpa suas mentes, disseca-as e devolve ao leitor o resultado desse cozido anárquico.

 

O humor não é ligeiro, vai às profundezas. Nenhum dogma social está imune. Sua literatura, além de não possuir fronteiras, físicas ou mentais, não hesita em espetar as convenções – porque literatura com autocensura representa a humilhação do autor ao status quo.

 

Os personagens não se resignam à letargia dos comuns perante à realidade. Descobrimos logo que carregam traços de personalidade prontos a serem enquadrados em patologias variadas, da esquizofrenia às perversões, gerando um apanhado de seres humanos distanciados da normalidade. Cabe a pergunta: existe normalidade no ser humano? Melhor considerar que Caetano Veloso tem razão: “de perto ninguém é normal”.

 

Como pano de fundo, subjacente em toda a obra, Guido Viaro aprofunda os questionamentos sobre a vida, calcado no conhecimento filosófico e psicanalítico que demonstra possuir. Em declaração para um jornal curitibano, ele declara que “os temas comuns são exames de consciência, personagens quase sempre sem nome, sem relações com outros personagens, que buscam explicações dentro de si, mostram seus sangramentos espirituais e as cicatrizes que deixam”.

 

É um universo fascinante o que nos aguarda nas entranhas da obra do autor. Não por acaso, seu romance O Cubo Mágico venceu o Prêmio Biblioteca Digital, sucedâneo do Prêmio Paraná de Literatura, responsável por premiar nomes de alta qualificação literária ao longo das últimas seis décadas – a começar pelo já citado Dalton, em sua primeira edição, restrita aos contos.

 

Em resumo, Guido Viaro é dono de enorme talento.

 

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