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A megera indomada

07/11/2023
megera

Hoje a frequência deve ser outra. Mas, durante os anos em que vivi no Rio de Janeiro, as areias na frente ao muro do Country Club, em Ipanema, era a praia do pessoal de cinema, dos publicitários e dos jornalistas alternativos, além de outsiders diversos. A turma da música ficava nas dunas da Gal, em frente às ruas Teixeira de Melo e Farme de Amoedo.

 

Como eu morava quase na esquina da Aníbal de Mendonça com a Vieira Souto, ir à praia era coisa de três minutos. Jaguar, então casado com Olga Savary, morava no edifício em frente. Ao lado do prédio em que eu morava ficava o bar/boate Monsieur Pujol, sempre com Luiz Carlos Miele e Sandra Bréa estrelando algum espetáculo. Pujol foi uma figura do vaudeville francês, famoso por tocar nos palcos os acordes de A Marselhesa com os sons produzidos pelos seus intestinos.  Não há informações sobre o tom utilizado, embora me pareça razoável que fosse Ré Maior – pelo menos, parecia ser essa a sua posição em relação à plateia.

 

Na praia a postura era mais elegante, ainda que todos trajassem apenas sungas ou biquinis minúsculos. As conversas se estendiam até o sol começar a dar sinais de que iria brilhar em outra freguesia. No Arpoador, a turma aplaudia a cena, alguns até se emocionavam.

 

Foi em um sábado muito animado que o publicitário Gustavo Wendlt lembrou, tarde demais, que haveria um almoço em sua casa para um casal de amigos. Sua mulher, a inglesa Rita, havia dado instruções rígidas: o casal chegaria às 15h e ele, o anfitrião, deveria estar em casa, de banho tomado, apto a abrir a porta e servir as entradas. Só que ele estava uma hora atrasado.

 

Gustavo era um sujeito bem apessoado, de olhos claros, que havia criado uma campanha para o banco Chase Manhattan usando a si mesmo como modelo. Quando precisou levantar dinheiro para financiar uma viagem da mulher à Inglaterra, entrou em uma agência do banco, pegou um cartazete com a sua própria foto, sentou-se à frente do gerente e explicou:

 

– Esse aqui sou eu. Preciso de um empréstimo. Quero ver se o que eu disse no cartaz corresponde à verdade.

 

Deram-lhe a grana, claro.

 

Naquela tarde, ao se dar conta de que havia esquecido o almoço, Gustavo pediu que eu fosse com ele até sua casa. O casal morava no Bar Vinte, há duas quadras da praia, quase no Jardim de Alá.

 

No caminho disse que tinha criado uma solução. Letícia, minha imaginária namorada, havia passado mal na praia e precisou ser internada no Hospital Miguel Couto:

 

– Diga que pediu para eu ir junto porque você não tem talão de cheques, nem conta em banco – e magro desse jeito, parecendo um faquir, talvez nem atendessem a moça. Eu tenho uma cara bem mais respeitável que a sua.

 

Topei, porque se faz qualquer coisa por um amigo em apuros. Ele empurrou a porta, cumprimentou os dois convidados, pediu desculpas e foi tomar banho.

 

Com a porta aberta, fiquei em pé na sala, dando as explicações, tentando ser o mais verossímil possível. A megera indomada, inverso da personagem de Shakespeare, também em nada parecida com a Lovely Rita da canção dos Beatles, fez questão de não convidar a sentar aquele magricela de sunga molhada, descalço e descabelado. Segurando o trinco, ordenou com a cabeça que eu saísse. Fechou a porta na minha cara.

 

Não sei como Gustavo se saiu, mas o casamento não durou muito. Ela voltou para o pérfido clima inglês e ele foi trabalhar em Porto Rico. No início deste milênio deu cabo da vida na República Dominicana.

 

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