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A prisão do “ministro”

05/09/2023
prisão

A família viajava de automóvel para o nordeste, em razoável harmonia dentro de um espaçoso Aero Willys. Era viagem de três, quatro dias, pela BR-116 ainda em boas condições, sem o intenso movimento de hoje.

 

Uma das paradas foi em Caratinga, terra de gente famosa como Ziraldo, Ruy Castro e Agnaldo Timóteo. Meu pai aproveitou para mandar lavar o carro, trocar óleo, completar o tanque de gasolina, com o que nos aboletamos em um hotel no centro da cidade.

 

Na manhã seguinte acordamos cedo. O velho fechou a conta do hotel e foi buscar o carro. Minutos depois passou em frente ao hotel, com um guarda no banco do acompanhante. Gritou que estava indo para a delegacia. Havia entrado em uma contramão, foi parado pelo guardião das regras de trânsito e intimado a se explicar ao delegado.

 

Saímos correndo, eu, meus irmãos e um primo que viajava conosco, atrás do Aero Willys. A delegacia não ficava longe. O velho Arino apresentou-se à autoridade e explicou a situação, já na nossa presença. Foi interrompido pelo guarda, a enrolar a língua.

 

Aí o “Ministro do Supremo”, que é como se sente todo estudante de Direito a partir do momento em que entra na faculdade, entrou em campo. Eu, mero segundanista, incorporei um Evandro Lins e Silva de péssima qualificação:

 

– Este homem está bêbado, não tem condições de multar ninguém – bradei do alto da minha impertinência.

 

O embriagado guarda não gostou. E o delegado, um sargento PM, menos ainda, tanto que me deu voz de prisão. O caldo entornou. Meu pai mandou meus irmãos voltarem ao hotel, comunicar o imbróglio para a nossa mãe. Que ela contatasse com urgência um advogado apto a resolver a pendenga.

 

Àquelas alturas, o “criminalista” enjaulado já se sentia autorizado a pedir um telefonema para a OAB de Caratinga, exigindo desagravo em frente à delegacia por ter sido preso em pleno exercício profissional, embora nem carteira de estagiário tivesse. Ninguém levou a sério a bobagem.

 

Uma hora mais tarde, surgiu o salvador, ao lado da mãe do presidiário. O simpático advogado caratinguense conversou com meu pai, tratou com o delegado e, enfim, o carcereiro tirou-me das grades.

 

Minha mãe cuspia ameaças, iria denunciar a violência contra seu primogênito à Veja, à Rede Globo, ao Cardeal Primaz, ao escambau. Meu pai, mais comedido, liberado da multa e com o filho solto, quis saber o valor dos honorários do causídico.

 

– Não cobrarei nada se a sua senhora não levar adiante as ameaças de denunciar Caratinga em rede nacional, respondeu.

 

Compromisso fechado, seguimos viagem. Mas não contamos ao velho que, ao sair da delegacia enquanto eles ainda confabulavam, o guarda bêbado e seus asseclas tentaram nos pegar na rua, a mim, meus irmãos e ao primo Zeca. Como eram barrigudos e, talvez estivessem bêbados também, foi fácil driblá-los até nos escondermos no hotel.

 

Não escapei da bronca paterna, é lógico. Só fiquei ofendido por ele não ter me tratado por Vossa Excelência.

 

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