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ERNANI-CABECA-COLUNA

Ainda estamos aqui

18/02/2025
Se você, leitor, ainda não teve a oportunidade de assistir ao filme Ainda estou aqui, não perca a chance. Dramático, pungente e sincero, conta uma história verdadeira e contada de maneira exuberante. A atuação de Fernanda Torres é espetacular, assim como a participação de sua mãe no papel da filha, no finzinho do filme. Não sei de outras sessões, mas a que assisti teve aplausos no final. E muita emoção.
Não é apenas coincidência que a Fernandinha concorra ao Oscar exatos 25 anos depois da Fernandona ter concorrido, ambas em filmes dirigidos com o talento e a competência de Walter Salles Jr, cineasta do mais alto padrão universal.
Vencer o prêmio ou não, é o de menos. Disputas pelo Oscar envolvem interesses representados em milhões de dólares. Fernanda Montenegro perdeu para Gwyneth Paltrow, o que não a diminuiu. Sabemos que merecia, por aquele papel emocionante em Central do Brasil.
Talvez as gerações atuais não conheçam o ofício a que a personagem de Fernanda se dedicava, o que escrever cartas para quem não sabia ou não podia escrevê-las. Também fiz isso, a pedido do porteiro do prédio em que morava no Rio de Janeiro.
Um dia, ele, homem muito educado, perguntou a minha profissão. “Sou redator”, respondi. Ele quis saber o que redator fazia. “Escreve”, falei. Foi o suficiente para pedir que eu escrevesse para a família dele na Paraíba.
Anotei em um bloquinho o que desejava contar. Era sobre sua vida pessoal, mulher e filhos, seu emprego, como era o Rio, onde morava.
Escrevi um rascunho à máquina e levei para que suprimisse e acrescentasse informações. Ele ouviu embevecido e disse que estava tudo certo, era aquilo mesmo. Fiz com que assinasse um rabisco qualquer e incluí o primeiro nome dele embaixo: “Severino”.
Tempos mais tarde, avisou que tinha recebido resposta da família, a faxineira do prédio já tinha lido a carta e tinha novidades para contar a eles. Assim, redigi mais duas cartas naquele período de quase dois anos em que morei na Rua Aníbal de Mendonça, em Ipanema, a 50 metros da praia.
Seu Severino lamentou quando fiz as malas e voltei para Curitiba. Depois do abraço de despedida, fez piada. “Não vou pedir para você me escrever, porque não sei ler”.
É a realidade daquela gente simples, vinda do interior do nordeste, os paraíbas, como a informalidade carioca generalizou. Gente trabalhadora, dedicada e honesta, um perfil bonito e sofrido vindo das profundezas do país. O Brasil que ainda está aqui.
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