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12/05/2024

Barracão de zinco

barracão

Era um talentoso rapaz de uma cidade do interior de Minas, ali pelo Vale do Mucuri. Um talento diverso do que havia remediado seu pai, posto que o moço não trazia vocação para mascate. E, embora o sobrenome não negasse a origem árabe, em vez de ganhar a vida fazendo crescer o comércio da família, resolveu aprender violão.

 

No início a música foi vista pelo velho como excentricidade da juventude. A preocupação só veio quando o rapaz comunicou estar de partida para São Paulo. Iria tentar a vida na cidade grande. A mãe, como as mães árabes, prostou-se, ameaçando o filho com todas as desgraças, do banimento ao suicídio. Nesse caso as mães árabes em nada diferem das judias e italianas, todas capazes de vulcânicas chantagens emocionais.

 

Foi embora o violonista. Tomou um ônibus, já que o trem de ferro não mais existia naquelas bandas, abrindo uma lacuna na alma do jovem: os mineiros, como se sabe, sentem-se bem apenas no bar, na igreja e no trem. Avião é visto com desconfiança, sob diferentes argumentos. Quem avua é passarinho, uai.

 

Hospedou-se em uma pensão, iniciando no dia seguinte a romaria em direção aos estúdios de gravação, aos auditórios das rádios, aos camarins de artistas de periferia, buscando uma chance de mostrar suas habilidades. Mas a metrópole é cruel. Depois de gastar muita botina, restou ao violonista aboletar-se em um banquinho de churrascaria na Zona Leste. Ali, passou a entreter o público cantando os sucessos de ontem e anteontem. Fez tanto sucesso que a casa passou a lotar. O freguês gritava um nome de música ou um pedaço da letra (por exemplo: Viver…) e ele emendava:

 

E não ter a vergonha de ser feliz…

 

Mas dois anos depois, assim de repente, da noite para o dia, ele largou o emprego e voltou para Minas,

 

Desembarcou na casa do pai, empregou-se na loja da família e de lá nunca mais saiu. O violão, voltou a só dedilhar entre os amigos.

 

Muitos anos depois, quando o conheci tomando umas e outras num botequim vizinho à loja, confessou o que o tinha levado a abandonar São Paulo. Foi a música Barracão de Zinco.

 

Uma noite ele havia cantado aquela desgraça desde às dez da noite.

 

– Quando eu chegava ao trecho final – “…pobre tão infeliz” – entrava um novo cliente gritando:

 

– Ai, barracão…

 

“E eu continuava na mesma toada. Por volta das duas horas da madrugada, pulei do banquinho e vim embora”.

 

Preferiu vender sapatos pelo resto da vida, porque correr o risco de ser obrigado a cantar Barracão, nem por imposição de Alá.

 

Leia outras colunas do Ernani Buchmann aqui.

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