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07/09/2024

ernani buchmann

Borges y La Luna

Há poetas incapazes de escrever qualquer texto em prosa, assim como existem prosadores inaptos para criar um verso que seja – caso em que me incluo.

Outros passeiam com propriedade pelos dois gêneros. Carlos Drummond de Andrade, que os adeptos do lugar-comum a ele se referiam de forma restringente como “nosso poeta maior”, transitava pela prosa com a mesma desenvoltura com que poetava. Não chegou ao romance, é certo, mas seus contos e crônicas podem ser considerados peças dignas, ao nível da poesia superlativa do autor.

Da mesma forma, mestres da prosa arriscam vez por outra um mergulho na poesia. E não se pode dizer que desconhecem o assunto visitado – os resultados mostram que o domínio do verbo pode ser a chave para o domínio do verso.

Mas, entre tantos na história da literatura, um se destacou tanto em um lado como no outro. Um único, na modesta opinião deste cronista: Jorge Luiz Borges. Seu nome está entre os maiores escritores de língua espanhola, de Miguel de Cervantes a Gabriel García Márquez, de Garcia Lorca e Pablo Neruda a Mario Vargas Llosa.

Era tido como argentino, pelo fato de ali ter nascido e vivido a maior parte da vida. Porém, as temáticas que explorava eram universais. Borges escrevia sobre o mundo para o mundo. Seus personagens podiam ser imaginados de todas as maneiras, a depender de quem os imaginasse. Seus escritos estavam acima das simples (ou simplórias) definições.

Às vezes imagino que, se alguém quisesse transpor sua obra para o cinema, seria difícil encontrar diretores capazes da empreitada. Akira Kurosawa, Federico Fellini e Luiz Buñuel já não estão mais por aqui. Os diretores dos filmes épicos marcantes, como John Huston e David Lean, também. Só Woody Allen segue entre nós, caso o tema fosse dependência materna.

Borges foi genial, completo, insuperável. Mestre que deixou obra fantástica em prosa e verso, sem que uma possa ser considerada superior à outra. Deixou também um livrinho delicioso, entre suas últimas obras. Chama-se Sete Noites, com edição em português da extinta Max Limonad – uma daquelas editoras de estimação que tínhamos, como a Relume Durará e outras. São palestras, sobre sete diferentes assuntos, apresentadas a cada noite.

Borges fala de seu fascínio pela cultura árabe, até citando o Corão, ele que poderia não ser adepto de religiões, embora fosse versado em todas. Assim nos deixa a viajar mundo afora, contando histórias, literalmente, das mil e uma noites.

Por essa época já estava cego há muitos anos. A diferença é que em Borges o sentido da visão tinha muitos sentidos. Era capaz de enxergar muito além, mesmo não vendo um palmo adiante do nariz,

Em uma das sete noites o mestre falou sobre um tema banal, tão banal que qualquer outro transformaria em algumas laudas de bobagens. O assunto era La Luna. Falou sobre o astro coisas que a ninguém teria ocorrido, inclusive sobre a lua em português. Para ele, luna era a palavra perfeita. Luna. Não apreciava a nossa versão, que a ele soava muito seca, sem a poesia contida em castelhano.

Admirável, o velho Borges. Tão admirável que algum fã anônimo de suas obras andou visitando minha biblioteca e levou meu exemplar de Sete Noites. A boa notícia é que uma nova edição do livro está disponível na estante virtual, produzida pela Rocco.

Assim que alguma luz emanada dos mais recônditos vãos do universo trouxer a senha esquecida para acessar o dito site, gastarei uns tostões para recompor a estante desfalcada.

Borges irá providenciar o brilho celestial exigido.

Leia outras colunas do Ernani Buchmann aqui.

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