No ano passado, Virmond disse uma frase que me tocou o coração:
– Você é um dos meus três melhores amigos.
Fiquei perplexo: como um homem com tamanha cultura, com um rol de amigos que excedia ao país, podia me considerar um dos melhores?
– É você, o Aldo Almeida e o terceiro não me lembro.
Com isso ele queria dizer que o terceiro era composto por todos os demais, aquela imensidão de admiradores. Tinha a generosidade das pessoas grandiosas. Por incrível coincidência, Aldo Almeida, seu sócio de escritório, faleceu no mesmo dia em que Virmond nos deixou, em 17 de novembro passado.
Conhecia profundamente a literatura, prosa e poesia; a música, a clássica, o jazz, a ópera; as artes plásticas, das quais foi o primeiro crítico nos jornais de Curitiba; e o cinema, que gostava de assistir todos os dias na companhia doce da D. Lélia.
Homem do mundo, fez história em todos os cargos que exerceu. Eu o conheci na época da VII Conferência Nacional da Advocacia, que ele, presidente da seccional da OAB, comandou ao lado de Raymundo Faoro, o presidente nacional da Ordem. Seu discurso na abertura do congresso, com o título de “O aperfeiçoamento do arbítrio”, foi interrompido 15 vezes por aplausos.
Tratou-se de um evento extraordinário, o primeiro a exigir o retorno do Estado Democrático de Direito. Sua primeira consequência foi a extinção do Ato Institucional nº 5.
Virmond é dos grandes responsáveis pelo Estado Democrático de Direito em que vivemos. Jamais se atemorizou. Correu sérios riscos de ser preso pelo governo militar, por criticar a falta de liberdade de expressão no país. Em sua última sustentação no Supremo Tribunal, às vésperas dos seus 90 anos, foi saudado por toda a corte, algo bastante incomum.
Era o símbolo maior da OAB-PR, que o premiou com a Medalha Vieira Neto, a mais alta honraria da entidade. Foi também presidente do Instituto dos Advogados, do qual recebeu o título de membro emérito, e do Instituto de Direito Tributário do Paraná.
Presidiu a nossa Academia Paranaense de Letras, a Casa de Ulysses Vieira, no biênio 2011/2012. Entre suas realizações, está a conquista da Biblioteca Norton Macedo e o convênio com o Sesc para abrigá-la, no Sesc da Esquina.
O fato mais insólito de sua presidência foi a eleição, intempestiva, ao atropelo do regimento, mas justa de todas as formas, de João José Bigarella para a Academia. Vou resumir: René Dotti, ao ver a chegada de Belmiro Castor a uma das nossas reuniões, pediu que o artigo que ele, Belmiro, havia publicado dias antes na Gazeta do Povo, denunciando o descaso do governo do estado com a reivindicação do professor Bigarella em relação ao Parque de Vila Velha, fosse incluído em ata.
Belmiro acrescentou outros dados aos problemas enfrentados por Bigarella. Eu tratei de me intrometer, dizendo que o professor deveria estar entre os integrantes da Academia. Fui apoiado com entusiasmo. Virmond lembrou que havia uma vaga em aberto, colocou em discussão o preenchimento daquela cadeira e, não havendo oposição, ligou para Bigarella e perguntou se ele aceitava. O professor ficou lisonjeado, assentiu e foi eleito por aclamação.
Há poucos meses, ao tomar posse na Academia Brasiliense de Letras, o cineasta Valdimir Carvalho citou um episódio, relatado por Marco Vinicios Vilaça e Josué Montello, envolvendo Miguel de Unamumo.
Ao receber do Rei Alfonso XII a mais alta condecoração da corte espanhola, Unamumo afirmou em seu discurso que a homenagem a ele era merecida. Depois da solenidade, o rei disse ao mestre que todas as pessoas condecoradas por ele disseram não merecer a distinção.
Ao que, Unamumo respondeu:
– Sim, todas tem razão.
Eduardo Rocha Virmond merecia ter sido condecorado por todos os reis, todos os dignitários, todas as autoridades. E teria certeza, assim como nós, que as homenagens eram merecidas.
Ele nos fará uma falta imensa, porém, como consolo, posso afirmar que já era imortal antes de fazer parte da Academia e assim será por todos os tempos.
Salve, Virmond, nosso mestre.
(Pronunciamento realizado pelo autor no velório de Eduardo Rocha Virmond, ampliado para a homenagem recebida da Academia Paranaense de Letras, em 6 de dezembro de 2023).
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