Imagine-se em Curityba no dia 12 de junho de 1923. Ontem, há cem anos, muitas décadas antes do comércio inventar o Dia dos Namorados. Você enverga seu traje de todo dia, paletó e gravata, sem esquecer de usar por baixo da camisa engomada a camiseta regata que era de rigor usar, e o chapéu de praxe. Se tivesse chovido, como choveu ontem, 12 de junho de 2023, calçaria suas galochas e iria desafiar as poças d’água, munido de capa e guarda-chuva, para cumprir o expediente comercial em algum escriptorio no centro da cidade.
A capital paranaense tinha pequenas proporções. Além das Mercês e do Cemitério Municipal já se entravam nos campos. A Estrada da Graciosa (foto) subia em direção ao norte, deixando para trás as mansões dos Fontana e dos Leões, na atual Avenida João Gualberto. Do lado sul, o Boqueirão era subúrbio, domínio dos Hauer; o Portão marcava o caminho de Araucária. A leste, o limite estava no primeiro Alto da Rua XV. Do lado oposto, o Seminário, por onde serpenteava o Caminho do Mato Grosso.
Você compra um exemplar de O Dia na esquina da Rua Dr. Muricy e dá de cara com uma primeira página em sete colunas recheada de telegramas oriundos de todo o planeta. Leria sobre “echos do naufrágio do vapor Horizonte no Rio Cahy, no Rio Grande do Sul, em foram contratados diversos escaphandristas encarregados de retirar as victimas do sinistro fluvial há dias communicado e no qual soçobrou o vapor Horizonte”.
De Santa Maria vinham notícias de combates, porque os gaúchos seguiam lutando, com a “columna do General Honorio de Lemos tenazmente perseguida pelas forças castelhanas do mercenário Nepomuceno Saraiva e pelas forças de José Flores da Cunha”. O jornal reclamava que ninguém no Paraná havia se manifestado contra a invasão dos bárbaros estrangeiros, ao contrário dos protestos havidos em outros estados brasileiros.
Rodrigo Júnior publicava um longo poema chamado Balada de Outono. Eis a primeira estrofe: “Poentes de outono, poentes desolantes, sob os vagos eflúvios da Saudade, a essa pallida luz sonham amantes, olhos nos olhos, brancos de ansiedade. A nostalgia toda a terra invade, e chamando à novena grave e lento, um som de sino anda a rolar ao vento, pela calma dos ares vesperaes, estendem-se também neste momento, dentro de mim as sombras outonaes.”
Em destaque no alto de uma coluna, publicava-se resenha sobre um novo livro de Dario Vellozo, No Limiar da Paz. O resenhista derramou-se em elogios: “Pacifista, humanista, patriota, tomou elle como these para sua obra este magnifico postulado de Guerra Junqueiro: ‘A pátria mais perfeita será a mais local, pelo amor à gleba, e a mais universal, pelo amor ao mundo’”.
Assim seguia a vida naquela Curityba de poucas emoções, pronta a comprar charque da empresa Xarqueada Ponta Grossa, de Machado, Fagundes & Cia, apta a preparar a “carne no sistema platino, adoptado no Rio Grande”, usar Pomada Minancora, inscrever-se na Escola Tecnica de Commercio e aguardar a chegada do jornal “A Cidade de Curityba, o trabalho de publicidade mais completo que em breve aparecerá”.
Lá se foram cem anos. Você não se veste daquela maneira, a cidade não é mais a mesma, e ontem todo mundo comemorou o Dia dos Namorados.
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