Pular para o conteúdo
ERNANI-CABECA-COLUNA

De cafuzo a pálido

31/12/2024

Em uma dessas festas de fim de ano a que nos obrigamos a comparecer, encontro um advogado amigo a quem não via desde a confraternização do ano passado. Ele me achou pálido, com razão. A palidez passou a ser minha companheira. Coisa típica da idade e dos problemas de saúde que me afetam, dos cardíacos aos glicêmicos, dos neurológicos aos lombares.

Fui embora pensando na ironia contida na minha atual cor da pele. O advogado amigo não sabe, mas nasci com a tez avermelhada e cabelos quase emendando com as sobrancelhas. Era a personificação perfeita de um bebê cafuzo, mistura de negro com indígena. Minha avó paterna, escolhida minha madrinha, não gostou daquela visão, considerando que seu filho era castanho claro de olhos verdes, neto de imigrantes alemães. Aqueles traços provinham da minha família materna, os Lopes, que trouxeram da Bahia os genes de um antepassado africano. 

Quanto a isso, não há dúvidas. Eu e meus filhos temos queloide, a cicatriz típica dos povos de grande pigmentação da pele. A estrutura da arcada dentária também denuncia a origem negra. 

Na juventude, vivendo em Recife, exposto todos os dias ao sol do nordeste, fiquei preto em pouco tempo. Tinham-me por mulato. Uma contemporânea aqui do Sul, ao me encontrar há alguns anos, confessou seu preconceito juvenil em relação à cor da minha pele – ficou admirada com a brancura que passei a ostentar. Pois é, assim como Michael Jackson, também fui ficando cada vez mais branco. 

Já me vejo objeto de análises de doutorandos, a estudarem o processo de miscigenação que tenho a honra de exibir. Tenho disponibilidade para ser exposto em congressos e aulas práticas, aos quais mostrarei fotos passíveis de provar as mudanças epidérmicas. Tenho até a veleidade de ser conduzido às cortes europeias, como os nossos ancestrais nativos. Talvez, mediante boa oferta financeira, possa ser atração em circos, no lugar dos leões, tigres e elefantes, hoje livres desse sórdido cativeiro. 

É uma boa maneira de sonhar com um ano novo próspero e aventureiro. Quem sabe não me descubram, me tomem por infuencer e me convidem para um reality-show.   

Falei nisso e lembrei que em janeiro começa aquela tortura chamada BBB. Esqueçam, portanto, os desvarios acima. Vou ficar quieto no meu canto. A prudência é sempre uma boa conselheira.

Feliz Ano Novo a todos.   

Leia outras colunas do Ernani Buchmann aqui.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *