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13/05/2024

Dilemas de uma pessoa pouco equilibrada

dilemas

Andar em linha reta não é o maior dos desafios para quem é considerado normal, embora o equilíbrio às vezes possa sumir. Problemas de labirinto, efeitos de medicação ou falta de atenção onde pisar causam estragos cujos tamanhos variam das simples escoriações a quase desastres. Há também o caso de Ronald Reagan, de quem se dizia ser incapaz de andar em linha reta mascando chicletes. Por último, a idade potencializa os riscos, é claro.

 

De minha parte, tenho o dever de informar que incorporei na mesma patologia eventuais distrações que fazem as pernas derraparem, com o acentuado grau de acrofobia com que fui agraciado. Ou seja, como posso escorregar a qualquer momento, em lajes de qualquer natureza meu instinto de defesa faz com que me agache no primeiro momento.

 

Se já no colégio eu não conseguia andar sobre as barras nas aulas de ginástica, a vida adulta me trouxe momentos constrangedores. Certa feita, com Jaime Lerner e Sérgio Mercer, levados por Renato Campos, fomos esquadrinhar o Hotel Braz, então fechado para reforma. A visita incluía uma inspeção no telhado. Ao chegar ao topo da escada, segurei na beirada com as duas mãos e fiz de costas o percurso de volta, sofrendo para encontrar os degraus.

 

Na mesma época, veio a Curitiba um grupo de jovens cariocas com suas asas delta. A proposta era decolar do alto do Centro Comercial Itália (foto) e descer no campo de futebol do Colégio Estadual, sobrevoando o Círculo Militar. Levei o grupo ao superintendente do CCI, Dante Manzocchi. O passo seguinte foi inspecionar a área de salto. Ao dar de cara com aquela imensidão de concreto sem borda, apoiei as mãos no chão e assim voltei para a escada – de quatro. Desci o elevador direto para a Marechal Deodoro, onde entrei em uma loja para pedir um copo d’água.

 

Os vexames se repetiram no Empire State, em Nova Iorque, e até na Igreja da Sagrada Família, em Barcelona. Se não fiquei de quatro, em ambas encostei as costas na primeira parede que encontrei e dali só saí para o elevador.

 

Na juventude tive a ousadia de aceitar uma aventura em montanha-russa, caso em que agarrei com toda força a amiga que viajava na minha frente, colei a testa nas suas costas, fechei os olhos e assim fiquei até o desligar daquela máquina de tortura em alta velocidade.

 

Então, leitor corajoso, sinta-se à vontade para desancar a minha fraqueza. Pode me xingar com todos os adjetivos, de frouxo a covarde, de medroso a maricas – epa, nem tanto. Respeito com este velho cronista!

 

Durante as noites de sono agitado, não só vem à mente essas vergonhosas passagens como acrescenta-se a elas um aflitivo detalhe de autoflagelo: imagino chegar a uma plataforma infinita e, de pronto, tropeçar de medo.

 

Só nas últimas semanas, caí três vezes no abismo. Duas vezes fui salvo pela mão solidária da Tânia, murmurando “calma, meu amor”. Da outra vez, eu estava sozinho, em viagem. Acordei no chão, depois de bater com a cabeça na mesa de cabeceira e abrir um talho no supercílio. Ainda trago o curativo na testa.

 

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