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ERNANI-CABECA-COLUNA

Gente silenciosa

28/01/2025

Em seu livro Neruda por Skármeta, o escritor chileno Antonio Skármeta, mais conhecido pelo seu romance O Carteiro e o Poeta (e o filme subsequente), conta um episódio interessante, ocorrido na casa do futuro Prêmio Nobel, na Ilha Negra. Em 1969, houve um congresso de escritores em Valparaíso. De lá, foram todos para uma grande recepção oferecida por Neruda em sua residência. Entre os comtemplados com um lugar na mesa do anfitrião estavam Mario Vargas Llosa, também futuro Nobel, e Juan Rulfo, o genial escritor mexicano de obra tão escassa quanto cultuada.

Nicanor Parra, outro poeta chileno, já havia dito que se Heiddeger defendia que “a linguagem é a fundação do ser pela palavra”, em Rulfo se fazia “a fundação do ser pelo silêncio”. Ele não abria a boca. Depois da sobremesa, Neruda pediu a Skármeta que desse conversa ao escritor mexicano: “Rapaz, o Rulfo não dá um pio. É mais calado que um túmulo”. Skármeta manteve então um comprido monólogo com o autor de Pedro Páramo, sem ser contestado, sem resultados.

Ele também cita outro fato envolvendo Rulfo, que participou de um debate na tevê argentina com Jorge Luís Borges. Alguém perguntou a Borges como tinha sido. “Simples”, respondeu. “Eu falava sem parar e Rulfo, de vez em quando, introduzia um ou outro silêncio”.

Em novembro passado, dentro do projeto anual do Solar do Rosário, recebi Roberto Muggiati no Auditório Regina Casilo. O negócio aconteceu assim. Enquanto eu fazia a abertura, contando um pouco da trajetória do jornalista, ele (ansioso) subiu a escada, passou por trás de mim e sentou ao meu lado. Na segunda frase, fui interrompido. Muggiati tratou de esclarecer melhor a história que eu iria contar e não parou de falar durante uma hora e meia.

Da Rua Carlos de Carvalho ao Palácio de Buckingham, de Dalton Trevisan a J. D. Salinger, passando por Paris, pela Revista Manchete, Editora Abril e a China, Muggiati traçou sua vida para a estupefação dos presentes, nada preparados para a lucidez do jornalista de 87 anos em pleno domínio de sua própria história. Foi um noite irrepreensível, Muggiati conquistou a todos, terminou aplaudido de pé.

De minha parte, às vezes introduzi um ou outro silêncio.

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