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ERNANI-CABECA-COLUNA

Huckleberry Finn

14/01/2025

Já contei a minha história com a leitura, mas não lembro se escrevi sobre ela.

Aos completar sete anos, ganhei do meu avô homônimo, Ernani Lopes, o Atlas do Padre Geraldo José Pauwels, edição da Melhoramentos. Nos anos seguintes, viajei pelo planeta nas páginas daquele livro. Conheci os países, suas capitais, oceanos, mares e rios, desertos e montanhas, sem cansar. Todos os dias eu descobria um mundo novo a conhecer.

No Natal daquele mesmo ano, meus pais me deram uma coleção em dez volumes das Mil e Uma Noites. Foi um alumbramento. Embarquei no universo fantástico de Ali Babá e seus Quarenta Ladrões e Sinbad o Marujo com toda a volúpia que domina a mente de uma criança curiosa.

Em seguida vieram os livros de formação, como as obras Jack London com seus Caninos Brancos (os dos cães, não os do autor, que talvez já não os tivesse) e O Chamado Selvagem, Júlio Verne e, suprema aventura, Os Três Mosqueteiros.Sempre livros de vitórias fantásticas, conquistas inimagináveis.

Até que, pelos 11 anos, ganhei, já não lembro de quem, um exemplar das Aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain. Li com compulsão, apaixonado pela descida do Mississipi por Huck e seu amigo Jim, negro fugido da opressão escravagista na metade do século XIX. Li pelo menos duas vezes aquela maravilha. Conquistado pela prosa de Mark Twain, li também as aventuras de Tom Sawyer.

Cheguei a pensar em escrever um pastiche de Huck descendo o Rio Iguaçu, eu como protagonista. Jim, a capitanear a nossa jangada, seria papel para o velho Barata, ex-marinheiro amigo do meu pai, às vezes contratado para fazer serviços de pintor lá em casa.

Felizmente a ideia não foi adiante, mesmo porque a Copel tratou de construir usinas no Iguaçu, o que inviabilizaria a aventura. Melhor termos naufragado antes de içar as velas.

Aqueles livros fizeram parte da primeira biblioteca que comecei a formar, acrescidos tempos depois com uma coleção maravilhosa de livros policiais, com uns 200 exemplares, comprada por meu pai de um amigo em situação financeira complicada. Ali conheci os grandes nomes da literatura do gênero, especialmente a norte-americana, como Raymond Chandler, Dashiel Hammet e o magistral Rex Stout, dono do personagem Nero Wolfe, detetive gourmand, gordíssimo (que hoje seria massacrado pela gordofobia) e genial.

Quando a família mudou para Recife, a biblioteca ficou na casa, alugada. O novo ocupante terminou por dar cabo daqueles livros, jamais reencontrados.

Pois semana passada, descendo para o litoral, encontrei nas estantes da boa lanchonete Pé da Serra, ali no Rio Sagrado, pouco antes da entrada para Morretes, um exemplar do Huckleberry Finn em nova edição. Tratei de comprá-lo, com o que irei reler, mais uma vez, as façanhas da dupla Huck e Jim.

Tem viagens que o dinheiro pode comprar. Outras, só a nossa imaginação é capaz de realizar.

Leia outras colunas do Ernani Buchmann aqui.

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