Imagine um casal bem sucedido, com sólidas carreiras na área jurídica. Digamos que seus nomes sejam Márcio e Lisa. Têm em torno de 35 anos, sem filhos.
O Natal aproxima-se, o que faz ambos discutirem os presentes de um para o outro. Resolvem, emocionados, darem-se um filho. Não uma gravidez, isso faria o presente chegar próximo ao Natal seguinte. Márcio e Lisa optam por um cachorrinho.
Perto do belo apartamento com vista para o Clube Curitibano, onde moram, há uma loja. Apaixonam-se por um pequeno buldogue com cara de triste, carente de mãe e pai. Felicidade completa. Com o cão, compram bercinho, alguns ossinhos de borracha para fortalecer seus caninos, um agasalho de lã para as noites frias de Curitiba.
Resta batizar o rebento. São muitas as sugestões, até que Márcio propõe Acelino Freitas, já apelidado de Popó – o cãozinho tem cara de boxeador – quem sabe imaginando para seu, digamos, herdeiro, músculos suficientes para pôr a correr qualquer invasor. Ou talvez visse nele o guardião do ringue que era seu bem fornido bar. Popó seria Popó e Popó ficou.
Na primeira noite, o buldogue não deixou ninguém dormir. O casal revezou-se a cada duas horas, trocando fraldas, esquentando mamadeiras, limpando sujeirinhas aqui e ali. A epopeia repetiu-se na noite seguinte, fazendo mamãe e papai passarem o dia posterior entre bocejos e cabeçadas de sono.
Márcio precisou viajar na terceira noite: havia audiência importante a acompanhar no interior do estado. Lisa preparou-se para dormir com Popó. Ou melhor, pretendia. O cão pôs-se a ganir pela madrugada, fazendo pipi a cada minuto, vomitando a mamadeira, sujando o berço com seu cocozinho.
Mamãe Lisa não pregou olhos. Passou a noite correndo do quarto para a cozinha para a área de serviço, para o banheiro. De manhã, estava um trapo. Desesperada, pegou seu adotado filho, embarcou na vistosa SUV da família e tocou para a loja. Estava devolvendo o recém Popó. Melhor assim, enfim poderia dormir.
Ao fim da tarde, Márcio abre a porta do apartamento. Deposita a mala no chão antes de chamar:
– Popó, vem com o Papai!
Quem aparece é a mulher, de posse da notícia:
– Popó não existe mais.
Como? Morreu? Suicidou-se, aflito com a ausência do papai? Nada disso, ela explicou. Márcio não se conformou. Afinal, ele era 50% responsável pelo bichinho, tinha direito a opinar sobre o assunto. Lisa deveria ter esperado sua volta. Sim, ela estava arrependida, principalmente porque via ameaças na expressão do marido. Já se sentia abandonada, sem ao menos receber seus direitos trabalhistas.
Que fossem os dois já para a loja, recuperar o filho querido. Jamais voltariam a abandoná-lo. Márcio prometia ficar junto dele para todo o sempre, inclusive durante as audiências, nem que fosse obrigado a enfrentar o Ministério Público ou o corregedor do tribunal.
A SUV cumpre o percurso a plena velocidade. Sôfregos, invadem a loja.
– Popó, cadê você?
Decepção. Entre ganidos e latidos da bicharada, não se via o buldogue renegado. “Uma senhora, ainda pela manhã”, explicou o vendedor, “ficou apaixonada ao vê-lo”. O cachorro também. Encostou a cabecinha entre os seios da mulher e dormiu. Ela levou-o na hora”.
E onde morava esta desavergonhada ladra de cães, traficante de filhos? Ao que constava, na Avenida dos Estados. O número da casa era desconhecido.
Márcio e Lisa tocaram-se para lá, na desesperada caça agora ao ex-Popó. Iriam vasculhar a avenida.
Foi então que uma amiga do casal os encontrou. Lisa ao volante, Márcio ao lado, a janela aberta. Paravam em frente a cada uma das casas da rua. O marido gritava:
– Popó, vem com o papai. Au, au, au.
Foram dois dias de procura, antes da inevitável aceitação da derrota. E até o momento em que é escrito este relato, não há pistas do paradeiro do buldogue.
Lisa entrou em depressão. Márcio está pensando em processá-la criminalmente. Não houve troca de presentes no Natal. Assim que saírem da clínica psiquiátrica, onde passaram as festas de final de ano, vão decidir o futuro. Ambos estão abalados. O casamento mais ainda.
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