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ernani buchmann

O desmanche de um homem 

04/06/2024

D. Renilda era uma senhora já passada dos 60 anos. Estava naquela quadra da vida em que já não tinha preocupações. Viúva de um marido de quem já tinha se divorciado há muitos anos, mãe de uma filha bem-casada com um afamado fotógrafo, fazia de sua rotina uma sucessão de divertimentos – não era para menos, Renilda era conhecida pelas tiradas bem-humoradas, pelo bom humor permanente.

Uma certa tarde de domingo, sentada com duas amigas no salão do Fascinação, espécie de clube domingueiro de dança no Bacacheri, aceitou o convite para dançar com um homem bem apessoado que se apresentou de forma bem-educada.

Era um professor da rede estadual, lotado no norte do estado, tentando uma remoção para Curitiba, sua cidade natal. Valsaram durante bom tempo, riram um pouco e descobriram pontos em comum, o suficiente para trocarem os números de seus telefones.

Assim começou o namoro entre Renilda e Vigotto. Um romance de duas pessoas maduras, interessadas nos prazeres que a idade madura podia oferecer. Vigotto passou a vir para Curitiba todos os fins de semana para ver os filhos e a namorada. Era também justificativa para desfrutar das habilidades culinárias da parceira, exímia nas delícias doceiras.

Renilda parecia ter mãos divinas, tanto que Vigotto se esbaldava como se estivesse em uma confiterie francesa. Na verdade, ele se sentia na Confeitaria das Famílias, que não tem DNA francês ou alemão, mas sim espanhol. Pouco importava a nacionalidade, Vigotto gostava de se lambuzar com o chantily, os suspiros, as tortas, sem se preocupar com o fato de estar engordando a cinturas vistas.

Pior ainda, certo dia ele confessou à doce (a propósito!) amada ser portador de diabetes tipo 1. Consumir aquelas guloseimas era um crime que cometia contra seu organismo, mas não conseguia resistir. Preferia viver daquela maneira do que preso à camisa de força das dietas.

Seu corpo discordou e se revoltou contra os hábitos do glutão. As coisas ficaram ruins quando ele foi obrigado a amputar o dedinho do pé esquerdo. Levou a cirurgia na boa, sem dar sinais de que havia desistido da doceria.

Tempos depois, outra cirurgia, desta vez no dedinho do pé direito. Foi o que bastou para que a filha de Renilda chamasse a mãe às falas:

– O que é isso, mamãe? Primeiro um dedo, agora mais um dedo? Pode me explicar o que está acontecendo?

Renilda não se abalou. Na tampa deu uma resposta digna de sua conhecida agudeza de espírito:

– Minha filha, é que estou me desfazendo dele aos poucos.

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