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O jornal (pouco) higiênico

22/01/2024

Meu amigo Hermann Sheffield, inglês nascido em lugar incerto no Brasil, por paradoxal que pareça, já encarnou aventuras fisiológicas das mais constrangedoras. Borrou-se nas águas cristalinas de uma cachoeira, afundou a perna no esgoto a caminho do mar com o anel de noivado na mão, enquanto sua namorada Rosita o aguardava na areia, entre outros vexames inomináveis.

 

Hermann não tem culpa do fato de suas entranhas se assanharem quando deveriam ficar acomodadas, embora seja culpado de não olhar direito por onde anda. O alinhamento das situações causa catástrofes, com o universo a conspirar contra o pobre ser humanoide.

 

Eis que, certa tarde, ele tomou assento em um Electra da Varig, responsável por levá-lo do Nordeste a São Paulo. No dia anterior, Hermann havia traçado, com volúpia, um prato de sarapatel digno de caminhoneiro em viagem de longa distância sem escalas. Temperou a garganta com uma boa cachaça pernambucana, derrubou duas cervejas de 600 ml e foi dormir feliz.

 

Em algum lugar sobre o Atlântico, o falso inglês começou a sentir umas pontadas. Sobre o Rio de Janeiro, já consciente de que era o sarapatel e seus acompanhantes alcoólicos a causa do ataque, Hermann começou a pensar nas alternativas. Achava que iria aguentar o pouso e então trataria de encontrar um banheiro.

 

Em Congonhas, andou com desenvoltura, a coisa não era para logo. Tomou um táxi em direção ao terminal de ônibus da Penha, um barracão sujo em Pinheiros. Mas no caminho os intestinos passaram a exigir prioridade.

 

O banheiro era provido da chamada privada turca, pequena plataforma de louça com apoio para os pés e, no meio, um buraco por onde desaguava o, digamos, estrume liquefeito em direção ao Rio Pinheiros. De papel, nem sinal.

 

O já contorcido Hermann comprou na banca de jornais ao lado a edição de domingo do Diário Popular, um catatau com uma centena de páginas de anúncios classificados e, assim munido, deu início aos procedimentos. A operação limpeza consumiu incontáveis páginas, até que Hermann deu-se por satisfeito. Já estava em condições de embarcar no ônibus em direção a Curitiba.

 

No dia seguinte, passou a sentir coceira no fiofó. A coisa piorou na terça-feira, transformou-se em comichão. Não havia o que desse resultado. O infeliz era obrigado a juntar as pernas ao andar para conseguir algum alívio, bamboleando o traseiro como atleta de marcha atlética.

 

Movido pelo desespero, procurou um médico urologista. O homem olhou o enrugado orifício e levou um susto. Estava uma ferida só, como se uma lixa houvesse feito o serviço, com pequenas manchas de tinta preta entranhadas. “Que tipo de papel você andou usando aqui, meu jovem?”, quis saber o especialista de lupa na mão.

 

Hermann explicou o ocorrido, dando destaque ao Diário Popular, seu periódico salvador. O doutor receitou banhos de assento, pomada anti-inflamatória, abolição de papel higiênico e encerrou com um conselho próprio dos sábios:

 

– Em caso de outra emergência, pelo menos escolha um jornal impresso em off-set!

 

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