Luiz Geraldo Mazza foi obrigado a abandonar o ringue, depois de 70 anos de luta diária pela notícia. Foi o maior jornalista paranaense, atuando em jornal e rádio com suas análises sobre todos os assuntos, fosse qual fosse a pauta.
Minha primeira matéria de jornal escrevi para a Folha de Londrina, na redação na Praça Osório, a pedido do Dias Lopes. Mazza era o chefe da sucursal. Ficamos amigos desde então, 1971.
O seu conhecimento das coisas do Paraná era enciclopédico, assim como sua competência em narrar os fatos. Tinha visto de tudo, a partir dos anos 1940.
Tanto que criei uma história, na qual o meteoro que extinguiu os dinossauros havia caído em cima do que depois passou a ser Curitiba, cidade cercada por serras, causadas pelo impacto. Com o decorrer dos séculos, quando a grama já tinha voltado a crescer, debaixo da imensa pedra saiu o Mazza, único sobrevivente da catástrofe. A partir do que, passou a contar tudo o que havia testemunhado.
Mazza foi o símbolo da Boca Maldita sem registro informal. Não a da entidade oficial, com seus jantares exclusivos para homens. A Boca Maldita do Mazza era configurada em frente ao café, onde pontuava todos os dias durante horas, muitas vezes colhendo ali a matéria para seus comentários.
Seus amigos trapaceiros (Jamil Snege, Fábio Campana, Nego Pessoa) inventavam histórias sobre ele, como a do peixe. Em um sábado, Mazza teria passado na feira e comprado peixe para o almoço a ser preparado pela Lucy, sua paciente companheira desde sempre. Aconteceu que a conversa na Boca estava animada e Mazza foi ficando. Às seis da tarde, o peixe começou a exalar seus eflúvios, o jornal já estava encharcado, a camisa do Mazza toda molhada a partir do sovaco – e ele não tomava o caminho de casa.
Outro episódio garantia que, incomodado por não ter sido preso com o pessoal da Última Hora, onde trabalhava quando do golpe de 1964, telefonou disfarçando a voz para o delegado Miguel Zacarias, do DOPS, o órgão responsável pelas prisões, dizendo que o perigoso subversivo Luiz Geraldo Mazza estava fazendo agitação na Boca. O delegado teria respondido:
– Mazza, não incomode, preciso trabalhar.
E bateu o telefone.
Foi generoso com todos os jornalistas novatos, inclusive com meu filho Fábio, de quem foi colega na CBN por 15 anos. Mesmo com o piá fazendo uma imitação perfeita do mestre. Ele ria. Quando concorri à vaga na Academia Paranaense de Letras, Noel Nascimento, sem me conhecer, foi buscar informações com o Mazza. Lulu havia lido um livro meu, cedido pelo Campana, e rasgou elogios. Ambos votaram em mim, fui eleito.
Não era de frequentar a Academia. Durante alguns anos compareceu às solenidades, composto conforme a etiqueta, de gravata e pelerine, levado pelo professor Ernani Straube, seu vizinho de prédio. A última vez foi em dezembro de 2016, quando da minha eleição à presidência da casa.
Era uma injustiça que ele, com milhares de colunas ao longo de oito décadas, não tivesse uma coletânea de sua produção em formato livro. A sorte é que temos a Miriam Karam, espécie de filha afetiva, que foi garimpar os arquivos da Biblioteca Pública para, enfim, vermos publicado o Livro do Mazza, documento essencial para entendermos seu rigor, o caráter intimorato, a intransigência com os vacilos dos donos do poder e o humor que muitas vezes permeava seus comentários.
Mazza, nosso velho Lulu, merece ser estátua, nome de avenida, de estádio do Coritiba e de espaços da comunidade curitibana. Só não de prédios públicos, porque tal desfeita será capaz de fazê-lo voltar a rugir e descarregar maldições eternas sobre todos nós, não sem antes reunir Jamil Snege, Fábio Campana e Nego Pessoa para desancar o porrete em nossa ingratidão e petulância.
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