Há muitos anos, quando eu tinha uns nove anos, meu avô Ernani Lopes, nascido em Florianópolis, resolveu que os funcionários de sua companhia de seguros deveriam conhecer o carnaval de Florianópolis. Em um gesto de liberalidade incomum, fretou um ônibus para levar a trupe de Joinville, ele mesmo comandando o bloco.
Como meu pai fazia parte da empresa, fomos incorporados à excursão. As bagagens viajavam no teto do ônibus, cobertas por lona. As estradas eram de terra, a poeira cobria tudo, da lataria aos passageiros.
Foi quando arrumavam as malas que a vi. Sorridente e animada, era morena de olhos claros, com os cabelos apanhados em um enlouquecedor rabo de cavalo. Chamava-se Renate, deveria ter uns 18, 19 anos. Fiquei imediatamente apaixonado por ela.
O problema era que Renate viajava com o namorado, seu colega de escritório. De cara, antipatizei com o sujeito, magrelo de rosto encovado, topete brilhantinoso, bigodinho finório e um sorriso falso – já não lembro o que me pareceu falso, acho que os dentes.
A estrada costeava o mar, passando por dentro de Araquari, Barra Velha, Itajuba, Piçarras, Penha, Itajaí, um desvio para o interior em Camboriú (a pequena cidade, não o Balneário), Tijucas, Biguaçu até avistarmos a ponte Hercílio Luz. Para chegar lá, era-se obrigado a atravessar três rios em balsas: Itapocu, Itajaí-açu e Tijucas.
Ficamos hospedados em um hotel no centro da capital, por onde passariam as escolas de samba. Renate avisou que queria seguir os blocos, pulando com o seu Zé Bonitinho, o que me gerou profunda irritação. Acompanhei com atenção as primeiras escolas, esperando vê-la por lá, sem sucesso.
No dia seguinte meu avô nos guiou em um safári a pé, mostrando a Casa Rosada, sede do governo, o mercado, a escola em que aprendia a flautear (no sentido de tocar o instrumento, não ficar à toa, que o velho não era disso). Renate deve ter ficado dormindo. Imaginei que pudesse ter brigado com o bobalhão, o que me deu novas esperanças.
A viagem de volta aconteceu na terça-feira gorda, já que a União do Comércio e Indústria – Companhia de Seguros Gerais voltaria a trabalhar na quarta-feira. Renate apareceu com cara de sono, o rosto amassado, o cabelo num coque sem graça. Encostou o rosto no ombro do sujeitinho e dormiu a viagem toda. Se bem me lembro, nem desceu do ônibus nas travessias dos rios.
Nunca mais ouvi falar da Renate, minha primeira paixão definitiva. Ponderei os fatos, analisei aquelas últimas imagens constrangedoras e concluí que não merecia uma vida de sonhos ao meu lado, em carnavais cariocas ou venezianos, frequentando a aristocracia europeia, viajando de avião e hospedando-se em hotéis cinco estrelas, longe da poeira e das balsas. Bem-feito.
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