Na crônica da semana passada contei sobre o ofício de autor de cartas a terceiros, personagem que Fernanda Montenegro interpretou em Central do Brasil, o belo filme de Walter Salles Jr. que a levou a concorrer ao Oscar. Pois há outro episódio muito interessante dessa série. Ei-lo.
Uma das pessoas mais brilhantes que conheci foi o Dr. Rubem Tomich, mineiro de Carlos Chagas, estabelecido em Teófilo Otoni. Advogado, professor de Direito Civil na FADITO, a faculdade local, era homem de muita altura e vasta cultura.
Sua estatura intelectual era inversamente proporcional à disposição para a rotina de trabalho. Preferia atender clientes e serventuários da Justiça em sua rede, na varanda da antiga casa colonial em que vivia quase no centro da cidade. Especialista também em livros de faroeste, chegava a avisar que não estava disponível se algum cliente aparecesse em meio a um tiroteio envolvendo Buck Rogers ou outro herói daquelas histórias.
Certo dia recebeu a visita de um velho fazendeiro da região. Seu Belo, homem simples, rico, era conhecido pelo nome da sua fazenda, a Morro Grande. Veio convidar Dr. Rubem para escrever a história da sua vida, coisa que ele, analfabeto, não tinha condições de fazer.
Rubão ponderou e aceitou. Teve a ideia de contar a saga de Seu Belo em versos, com quadrinhas bem elaboradas que foi construindo ao longo de meses.
A cada 30 dias, Seu Belo embicava a camionete pela entrada da casa da família. Era recebido com um bom café com quitanda, esse símbolo mineiro vespertino de bem receber. Rubão então lia para o fazendeiro o resultado do trabalho do mês. Faço aqui um exercício, tosco, para mostrar a dinâmica da obra:
Um dia nasceu Belarmino
Lá no meio do Brejão
Que desde que era menino
Mostrava um coração bom.
Seu Belo, sentado em uma cadeira de balanço, fechava os olhos, mãos cruzadas no peito, e dizia orgulhoso:
– É verdade!
Perto do fim do ano, Rubão colocou o ponto final na biografia do homem. Seu Belo apareceu com mulher e filhos para ouvir a história do começo ao fim. A cada estrofe, o biografado repetia seu mantra: “É verdade!”
Quando o autor terminou a leitura, a família estava com os olhos marejados. Seu Belo, em plena emoção, resolveu fazer um último e retumbante pedido:
– Dr. Rubem, será que dá para publicar na Revista Manchete?
A Manchete não publicou, mas a história foi publicada como livreto, distribuído como presente de Seu Belo aos parentes e amigos.
Um exemplar desta pequena obra-prima da poesia popular encontra-se na biblioteca do advogado Renato Kanayama, presente de Elane, filha do dr. Rubão – ambos já falecidos.