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Tragadas e talagadas infantis

25/07/2023
tragadas

A geração que nasceu no pós-guerra, segunda metade dos anos 40 e na década seguinte, foi acostumada desde a infância a conviver com certos hábitos hoje banidos da rotina familiar. Muito se deve à indústria cinematográfica norte-americana, com seus galãs sempre de cigarro na boca, chacoalhando na mão um copo de whisky ou, as mulheres, um coquetel sofisticado.

 

Quem nasceu naqueles tempos lembra de um cigarro de chocolate para crianças. Nada mais inapropriado: a embalagem trazia um garotinho preto, “fumando” um dos cigarrinhos. Bem, havia uma lógica. Se os pais fumavam, por que a meninada não podia simular umas tragadas em um inofensivo chocolate, antes de traçá-lo?

 

Escrevi “tragadas” e passo a escrever sobre talagadas, já que ambas conviviam no mesmo ambiente – sempre enfumaçado, esclareça-se. Enquanto fumava-se, bebia-se, posto que uma coisa levava à outra. A praxe era que um pai fumasse e bebesse de forma moderada na presença das crianças, essas sim, imoderadas ao pedir para tomar a espuminha da cerveja recém-servida.

 

Ocorre que os filhos também eram submetidos a remédios à base de álcool. Vinho Reconstituinte Silva Araújo, por exemplo, perfeito para devolver a força do corpo. Havia também o Biotônico Fontoura, outra fórmula a levar álcool. Bebi muito, obrigado por minha mãe para ver se criava ânimo – tremendo fracasso, do remédio e de seu paciente.

 

No leite noturno, uma praxe daqueles tempos, era possível colocar duas ou três gotas de Conhaque de Alcatrão de São João da Barra, para que a gurizada dormisse mais tranquila.

 

Fui submetido a tratamentos à base de vinho com mentruz, indicado para curar problemas de pulmão, como a bronquite que me fazia chiar enquanto respirava, suplício a que era submetido do outono ao fim da primavera, todos os anos. Não sei se a beberagem ajudou, mas o fato é que o clima de Curitiba fez com que os sintomas diminuíssem de forma substancial. (E dizer que existem pessoas mal intencionadas a falar mal do clima curitibano!)

 

Sem falar no óleo de rícino, que não levava álcool – e, talvez por isso mesmo, era intragável. Por fim, a essência de olina, indicado para quem sofria do estômago, porém nem tanto a quem vá se submeter aos bafômetros no trânsito.

 

Dito isso, cabe a pergunta: aquela geração de crianças tornou-se mais alcóolatra que as anteriores? Ou as que a sucederam? Não me parece. Em alguns países bebe-se mais, em outros menos. No Brasil os tragos são de rigor.

 

Com o frio curitibano, o vinho faz sucesso. Nada que signifique desdouro aos destilados, sempre muito apreciados. Falando nisso, já são mais de 18h e está na hora de pedir a primeira:

 

– Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa…

 

E oferecerei ao santo um gole da boa cachaça que me será servida, para embriagar as pedras pisadas do Distinto Cavalheiro, o melhor botequim da cidade.

 

Viva Noel, Aldir, Chico, Vanzolini, Bondrin, Zeca e, com eles, todos os santos musicais que nos inspiram e confortam. Mas com moderação, não esqueçamos.

 

Leia outras colunas do Ernani Buchmann aqui.

2 Comentários

  • Grande Ernani, parabéns……só esqueceu da Emulsão de Scot…..não tomou? Que sorte a sua. Era horrível!!!!!;;

  • Gosto muito dessas lembranças de infância onde tudo parecia tão inofensivo. E como era bom esperar a hora do biotônico Fontoura. Obrigada pelo texto…uma viagem às coisas boas do ontem….e que não nos fizeram mal nenhum

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