Quando em 1959 meu pai recebeu o convite para voltar a Curitiba, onde havia estudado e feito o CPOR, não pensou duas vezes. Pouco tempo depois trouxe a família, para morar em uma casa geminada na Rua Ângelo Sampaio, quase esquina com a Sete de Setembro. Ainda hoje a casa e suas irmãs gêmeas estão lá, há muitos anos sediando pequenas lojas, salões de beleza e coisas do tipo.
Aprendi rápido o caminho entre a nossa casa e o Colégio Santa Maria (foto), na Praça Santos Andrade. Do outro lado da rua, a construção do grande auditório e o frontispício do Teatro Guaíra seguiam céleres. O pequeno auditório já trazia peças com atores de sucesso nacional, tornando-se um programa obrigatório às famílias, inaugurando o primeiro ano do primeiro governo Ney Braga.
Meu pai, no jipe da Companhia Comercial de Seguros, garantia a ida para o colégio, antes das 8h, horário em que os portões eram fechados. Quando viajava ao interior, o que era frequente, pegava-se o ônibus na esquina, para descer na Praça Carlos Gomes e seguir a pé. Na época houve greve dos ônibus, o que fazia com que os passageiros fossem atendidos por caminhões do Exército. Os soldados puxavam as pessoas pela mão – e depois, ao descerem, as recebiam nos braços.
A volta era feita a pé. Os trajetos eram variados e interessantes para um menino de 11 anos. Podia-se ir em direção à Praça Osório, subir a Comendador Araújo e tomar a esquerda na Ângelo Sampaio. Ou dobrar à esquerda na João Negrão, depois subir a Sete ou a Silva Jardim. No caminho ia decorando os nomes das transversais: Desembargador Westphalen, Alferes Poli, 24 de Maio, Nunes Machado, até chegar em casa, depois de cruzar a Coronel Dulcídio.
Às tardes, em lugar de ficar em casa fazendo os chamados “deveres”, saía a procurar lentes antigas de relógio nas velhas relojoarias do centro da cidade para reforçar meu time de futebol de botão. O resultado dessa vadiagem concretizou-se nos boletins mensais. Fui indo de mal a pior durante o ano. Ao chegarem as provas finais, eu não tinha nem cadernos com as matérias a estudar. Todos eram dedicados a anotar nomes de filmes e de músicas, escalações de times de futebol e bobagens do gênero.
Minha mãe ordenou que eu fosse atrás dos materiais necessários. A sorte foi que a turma A, cujos professores eram os mesmos da minha turma, a B, fazia provas um dia antes. Fui salvo por um colega chamado Getúlio, que eu conhecia dos treinos do Gesm, o time do colégio.
Graças aos cardernos e os bons propósitos do goleiro Getúlio, fui bem em Português, História, Geografia e Francês. Meu pai foi responsável por uma aula noturna de Matemática a seu filho relapso que entrou pela madrugada. Fui aprovado.
Faltava sair a nota de Latim. Quando o velho Arino descobriu que eu havia tirado 2, ficou possesso. Tomei meia dúzia de cascudos e fui obrigado a fazer um curso intensivo de dois meses, em Joinville, com a primeira professora dele, então com mais de 80 anos. Aprendi o bastante para passar na segunda época e embarcar em direção à 2ª série do ginasial.
Tornei-me um aluno menos malandro nos anos seguintes, sem jamais ter sido reprovado. Por outro lado, a ironia, a língua ferina da qual não consegui me livrar, foram responsáveis por uma série de castigos e suspensões nos anos seguintes. Os Maristas devem ter mandado rezar uma missa quando me transferi, feliz da vida, para o Colégio Estadual do Paraná, livre para sempre das aulas de Matemática e até de uma reguada na tampa da cabeça. Não quero afirmar que aquilo me causou transtornos permanentes, mas há controvérsias.
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Adorei. Que relato delicioso!!!!!!! Me transportei