O livro a ser resenhado hoje foi lançado recentemente e chama-se “A Bem-Amada”, de Delmo Moreira, jornalista com passagem pelas principais redações do país. Dele, a editora Todavia já publicou CATORZE CAMELOS PARA O CEARÁ: HISTÓRIA DA PRIMEIRA EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA (2021). Trata-se agora da incrível biografia de Aimée de Heeren, nascida Aimée Soto-Maior de Sá (Castro, 3 de gosto de 1903 — Nova York, 14 de setembro de 2006), a maior socialite brasileira de todos os tempos.
Vivendo entre o Brasil, os Estados Unidos e a Europa, a paranaense teve sua história entrelaçada com as transformações sociais, políticas e culturais decisivas do século XX. Amiga de reis, princesas, milionários e outros integrantes da altíssima sociedade, exerceu um papel relevante nas artes e na moda, além de ter estampado as colunas sociais do país tanto pelo seu inegável glamour quanto pelo relacionamento extraconjugal com Getúlio Vargas. Com rigorosa pesquisa e a prosa leve dos grandes jornalistas, o autor conta, pela primeira vez em livro, a trajetória dessa mulher que foi considerada uma das mais elegantes do mundo. Na foto acima, seu retrato produzido por Cândido Portinari.
Aimée e sua irmã Vera Sotto Maior (1904 – 1986) nasceram em uma família remediada de Castro (PR). O pai delas, Genésio de Sá Sotto Maior e a mãe Julieta Sampaio Quental eram professores escolares, profissão sempre mal paga no Brasil. Eles atribuíram muita importância à educação de suas duas filhas e Genésio adorava contar-lhes histórias de pioneiros e inventores…
Mudou-se, com a família, ainda adolescente para o Rio de Janeiro, onde se casou com um primo gaúcho distante, Luís Simões Lopes, que era chefe de gabinete do todo poderoso Getúlio Vargas. Porém, o casal separou-se discretamente em razão dos boatos sobre o caso extraconjugal que Aimée mantinha com Getúlio. Ela é a suposta bem-amada do diário de Vargas, publicado em 1995 pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, em organização da pesquisadora Celina Vargas do Amaral Peixoto, sua neta. Os documentos revelam um avassalador romance que Getúlio mantivera em sigilo para evitar um escândalo de imprevisíveis consequências familiares e políticas e o caso é descrito em detalhes no livro de Delmo Moreira. Contudo, Aimée nunca admitiu nem negou ter sido amante do presidente. Procurada por jornalistas, posteriormente, foi seca: “Na minha idade, não posso estar fazendo confissões”.
Em 1939, ela deixou o Brasil para viver na Europa, onde já morava sua irmã Vera, que merece uma biografia à parte. Vera estava estabelecida em Paris, onde casou anos antes com John Felix Charles Bryce, inglês bonitão com fama de playboy. Ele era meio atrapalhado e teve vários empreendimentos malsucedidos com um colega de escola: o futuro escritor Ian Fleming. Durante a Guerra eles trabalharam juntos para o Serviço Secreto inglês e Fleming declarou que esta experiência foi a inspiração para criar, em 1953, o agente secreto James Bond. Ou seja, Vera casou-se, sem saber, com o verdadeiro 007. Mas a história de amor durou menos de um ano. Vera percebeu que o extravagante marido não conseguiria sustentar o estilo de vida que levavam. Aconselhou-o a casar com uma mulher rica e foi prontamente atendida por Bryce. Já Vera casou-se novamente com Randal Arthur Plunkett, barão de Dunsany, uma das mais antigas e ricas linhagens da nobiliarquia irlandesa. O casamento foi realizado em 1938 e um ano depois Aimée foi recebida no apartamento deles em Paris, tendo sido apresentada ao jet set local e à família real britânica por sua irmã caçula.
Em Paris, Aimée ficou hospedada no Hotel Ritz e levava uma agenda social intensa naqueles dias, antes que Hitler invadisse Paris. Foi cliente assídua de pelo menos quatro nomes grandes da moda: a surrealista Elza Schiaparelli, o jovem espanhol Balenciaga, o ícone Coco Chanel e a chapeleira Caroline Reboux, que criava as peças como uma escultora, moldando-as na cabeça das clientes. Os figurinos deslumbrantes dessa estreia parisiense podem ser vistos no museu do Fashion Institute of Technology de Nova York como parte da coleção de trezentas peças doadas por Aimée nos anos setenta.
Mas com a Segunda Guerra Mundial foi obrigada a partir para os Estados Unidos, casando-se com o milionário Rodman Arturo de Heeren, herdeiro da maior rede de lojas de departamento americana, a pioneira Wanamaker’s. O casal possuía casas em Paris, Nova Iorque (uma mansão de seis andares), Palm Beach e Biarritz, onde moravam conforme a estação do ano. Em 1941, Aimée era, segundo a revista Time, a terceira mulher mais elegante do mundo — depois da Duquesa de Windsor e de Barbara Cushing, editora de moda da Vogue dos Estados Unidos. Mais tarde, seria incluída no Fashion Hall of Fame.
Em meados dos anos 1950, quando era embaixador do Brasil em Londres, Assis Chateaubriand apaixonou-se por ela, que foi responsável pela indicação de diversos quadros que hoje se encontram no MASP, em São Paulo, adquiridos da nobreza falida da Europa Pós Guerra. No livro “Chatô, o rei do Brasil”, Fernando Morais dedica várias páginas à personagem que foi a mais duradora de todas as paixões do jornalista. Aimée deu uma breve entrevista para Guilherme Fontes, diretor do filme “Chatô” em que diz que nada passou de fantasia de Chateaubriand.
No seu site, ficamos sabendo que Aimee de Heeren foi, entre outras coisas:
- irmã de Vera Sottomaior / Vera Plunkett / Vera Prettyman
- amiga de Alexander Graham Bell (1847 -1922), Thomas Edison (1847 – 1931),
- Casey Baldwin (1882 – 1948), Bendor / 2º Duque de Westminster (1879 – 1953),
- Dmitri Romanov, (1891 – 1942), Coco Chanel (1883 – 1971),
- agente do serviço secreto de Getulio Vargas (1882 – 1954),
- esposa de Luís Simões Lopes (1903 – 1994),
- namorada de Joe Kennedy Jr (1915 – 1944),
- esposa de Rodman de Heeren (1910 – 1983),
- amiga de Johannes von Thurn und Taxis (1926 – 1990),
- avó da glamorosa Victoria Noble Lee,
- ícone da moda, membro da lista das mais bem vestidas.
Como um brinde para os leitores da coluna Frente Fria, publicamos uma deliciosa história de Aimée, que não consta do livro “A Bem-Amada”:
Conhecendo Alexander Graham Bell, o inventor do telefone
Recém chegada ao Rio de Janeiro, Aimée conhece alguém da família Orléans Braganca, um dos netos de Pedro II do Brasil. Ele a convidou para uma viagem à Costa Leste dos Estados Unidos. É a primeira vez que Aimée Sotto Maior sai do Brasil e ela quase não fala inglês. Chegando em Nova York, o companheiro de viagem de Aimée teve a ideia de continuar a viagem para Nova Escócia, Canadá, onde morava um amigo de seu avô, um velho que certa vez fez uma invenção fabulosa… o telefone. Todos ficaram cativados pela jovem brasileira de aparência exótica, morena de olhos verdes. Bell deu-lhe um conselho: “Para permanecer jovem você precisa ter jovens amigos”.
Um conselho que Aimée soube seguir pelo resto da vida. No seu obituário no jornal The New York Times fo descrita como “epítome do glamour” e “a última das grandes damas”. Definitivamente não é pra qualquer um ou uma.
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