Mês passado morreu um dos grandes poetas da minha geração: Alberto Puppi. Pouco conhecido do grande público por seu arrojado estilo semiótico, Puppi era o próprio poeta de vanguarda dos anos 80. Eu e o pessoal que viríamos a criar a Contrabanda participamos do lançamento do seu livro “Os primeiros dias de paupéria”, dedicado a Torquato Neto. Rodrigo Barros, o Rodrigão, lembra daqueles tempos:
“Conheci o Alberto Puppi por intermédio do seu irmão, o João, que estudava comigo no cursinho – um cara gente boa e inteligente de quem eu gostava muito e que não teve um futuro por conta de alguns problemas mentais.
De vez em quando ia na casa dos Puppi, que eram praticamente meus vizinhos, e moravam atrás do clube Juventus, numa casa grande e animada, cheia de juventude, (e que hoje hospeda a famosa Prestinaria), onde conheci o Alberto. Não sei direito como aconteceu, mas acabei fazendo o show no lançamento do seu livro “Os primeiros dias de PAUPÉRIA”, com meus camaradas do grupo/associação/coral “A Família” na casa Romario Martins, em 1981. Noite animadíssima.
Encontrava muito o Alberto Puppi pela cidade de Curitiba, que era pequena e bastava andar na rua XV pra formar uma turma pra tomar cerveja ou vinho barato na tarde fria. Eu e meus amigos, que futuramente formaríamos a famigerada Contrabanda estudávamos na cantina da Reitoria, que era um point da rapaziada da cultura alternativa da época. O Puppi muitas vezes aparecia por lá, mas ele era mais da academia. Depois que entramos no movimento punk, acabamos nos afastando. E o Puppi virou professor dos bons. Muitos amigos e conhecidos tem carinho pelo grande professor de semiótica que ele se tornou.
Volta e meia, durante os últimos 40 anos, colocávamos o papo em dia, sempre com a fineza que o caracterizava. Contava dos perrengues do João e das alegrias/tristezas da vida dele (incluindo algumas tragédias que marcaram as vidas minha e dele). Podia ser no meio da rua, num hall de teatro ou no supermercado, o papo era sempre ótimo e animado. Na última vez que o encontrei ficamos de marcar para ele tentar fazer uma leitura dos seus poemas visuais para o Radiocaos (tarefa difícil), como achei que o Alberto estava em ótimas condições físicas, postergamos a gravação até que não pudéssemos fazer mais a tal empreitada poética, com a sua morte inesperada.
O Alberto deixa uma lacuna na cultura da cidade e entre os meus amigos artistas contemporâneos mais uma sentida baixa.
O meu relógio interno me diz que tenho que ser mais efetivo nessas minhas gravações poéticas, o tempo está expirando…”
Foi com profundo pesar que a Universidade Federal do Paraná (UFPR) lamentou o falecimento do professor Alberto Ireneu Puppi, ocorrido na manhã do último domingo (18/8), aos 67 anos. Alberto formou-se em Desenho Industrial pela UFPR, em 1980, e concluiu seu mestrado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1992. De 1993 a 2018, foi professor adjunto do Departamento de Design da UFPR, contribuindo ainda como docente na Universidade Estadual de Londrina (UEL), na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e na Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap).
Suas pesquisas eram na área de Teorias da Linguagem com ênfase na Semiótica Peirciana, aplicando os resultados destes estudos teóricos à geração de conhecimentos relacionados às práticas das linguagens do Design, das Artes Visuais e da poesia.
Além de ser uma referência em Design e Semiótica, foi inspiração aos colegas e alunos, como menciona a Diretora do Sacod, Regiane Ribeiro: “Puppi nos deixa, mas não sem deixar a sua marca indelével de ser humano potente e de artista sensível. Que sorte pro nosso setor compartilhar sua presença, sua sabedoria, sua arte e seu legado”.
Outro de nossos grandes artistas, o cineasta Fernando Severo também conheceu bem Puppi:
“Meu amigo Alberto Puppi, poeta e professor da UFPR, que faleceu no último domingo, foi homenageado com um belo texto do Jaques Brand. Era filho do filósofo Ubaldo Puppi, ex-presidente do Conselho Estadual de Educação, ex-diretor da Biblioteca Pública do Paraná, doutor em Filosofia pela Universidade de Sorbonne. No início dos anos 80 residi com ele, a irmã Monica e o irmão João, numa casa pertencente à família, no Batel, no local onde hoje funciona a Prestinaria. A casa era um ponto de convergência de artistas de diversas áreas e vivi momentos inesquecíveis nela.”
O texto do intelectual Jaques Brand citado acima foi publicado no seu Facebook e emocionou a todos que conheciam o poeta:
“O Puppi nos disse adeus.
Cedo demais, o poeta, semioticista, professor Alberto Ireneu Puppi nos deixou nesse domingo.
Uma lástima, uma tristeza.
Um cara que tinha muito ainda a nos dizer, e que fez muito pra tornar esta cidade uma antena atenta aos sinais da mais viva cultura.
Puppi mantinha a corda tensa, vibrante, de sua rara inteligência em clave de ironia compreensiva, animada sempre por uma bondade que a todos incluía.
Sua presença boa, seu intelecto de acesos cristais, estarão por muito tempo associados na memória poética a uma plêiade de poetas, artistas plásticos, estudiosos das letras, que orbitavam entre si, reciprocamente, nem sempre compreendidos no contexto, mas vivendo as promessas da juventude e respirando os ares da abertura democrática.
Não consigo deixar de aproximá-lo, na lembrança, a pessoas tão criativas e instigantes como Josely Vianna Baptista, Geraldo Leão, Rossana Guimarães, Eliane Prolik, Denise Bandeira, Mohammed El Assal, e muitos outros que, entre nós, salgam a terra e levam longe a dedicação as artes.
Pelos tempos afora, brincávamos sempre um jogo de máscaras, a cada encontro fortuito, pura comédia dell’arte, improvisada às vezes numa esquina, de passagem, cabendo a ele o papel do jovem Eliot, autor de The Waste Land, “Devastolândia” na versão engraçada do Puppi, e a mim, modestamente, o do mestre Pound, “il miglior fabbro”, a quem incumbia nada menos que copidescar o “seu” monumental poema.
Tomara que um belo dia, as contribuições teóricas e a luminosa criação verbal do Puppi encontrem a fortuna crítica que bem merecem.
Com sua brilhante passagem, Alberto Ireneu Puppi honrou as letras e a cultura da nossa cidade.
Sua partida vai acompanhada e seguida por nossas lágrimas, nossos aplausos.
Adeus, Poeta!”
Alberto Puppi tem uma extensa trajetória de experimentação poética. Em 1978 publicou seu primeiro livro ‘Demão amão’. Em 1979 ‘Riah: um choro feliz’, em 1980 ‘Os primeiros dias de paupéria’, em 1982 participou da coletânea ‘Poesia Jovem – Anos 70’ e alguns de seus trabalhos foram publicados no saudoso jornal Nicolau. Foi um dos precursores da poesia eletrônica e da transmissão digital de dados e trabalhou junto a alguns dos artistas mais atuantes dos anos 1980 e 1990.
Aproximando-se de um sujeito lírico surgido nos anos 1980, início do processo de redemocratização no país, a poética de Puppi é atravessada por uma fina ironia e permeada por discursos amorosos. Sua poesia, como de resto toda a poesia, nos faz participantes de singulares saberes e olhares sobre nossa permanente insistência em estar no mundo.
Seu próximo lançamento poético foi “Antilira”, que antes de assumir o formato de livro, nasceu nos anos 80 como um projeto de folhetim-poético para o jornal Correio de Notícias, de Curitiba. Mais especificamente para o Caderno de Cultura editado pela grande e inesquecível jornalista Rosirene Gemael. O autor contou também com a importante colaboração do refinado artista gráfico Claúdio Seto. Nesta edição o formato folhetim do jornal foi adaptado para a forma de livro pelo próprio autor, também designer. A intervenção poético-visual pensada para o espaço do Museu da UFPR, foi organizada pelos designers Ronaldo Corrêa e Ken Fonseca, professores do Departamento de Design da UFPR, a partir de poemas e capas de livros de Alberto Puppi.
No dia 5 de abril de 2017, a mostra ‘Frente & Versos – Exposição poético, gráfico, visual’ recebeu a visita de Alberto Puppi, autor das obras expostas. No evento houve uma visita guiada por entre os poemas visuais, vídeo poemas, esculturas e outras intervenções poéticas, gráficas da exibição.
A poesia apresentada em seu caráter de imagem incorporou, no decorrer do séc. XX, à sonoridade musical da palavra, a visualidade. Nesse registro o trabalho de poetas, como Puppi, atravessados pelas mídias de massa, provocou outras experiências poéticas/plásticas que foram consolidadas na experimentação de suportes, mídias e formas de fazer, circular e usar a palavra.
A reunião de trabalhos de diferentes momentos da produção de Puppi teve por propósito (re)construir um período da produção desse criador, seus diálogos com outros criadores contemporâneos e com os tempos e eventos que marcaram o século XX e XXI.
Um poeta de primeira grandeza, Rodrigo Garcia Lopes, assim homenageou Puppi:
“Alberto Puppi foi uma das pessoas mais interessantes que cruzei em minhas passagens por Curitiba, sobretudo nos dois anos que morei lá, em 1989 e 2001. Depois trocamos algumas mensagens e perdemos o contato. Creio que a última vez em que o vi em carne e osso foi, pasmem, na manhã do dia 11 de setembro de 2001. Passamos a noite toda conversando e bebendo no seu apartamento no Alto da XV. A certa altura, por volta das 8 da manhã, depois de me mostrar umas esculturas que ele estava fazendo com maços de cigarro Carlton, ele já tinha ido dormir e eu acordei na sala (tínhamos bebido absinto) e saí. Caminhando de volta pela Rua XV, ainda zureta, comecei a ver nas tevês dos bares as imagens dos aviões se chocando contra o World Trade Center. Lembro do Puppi como uma pessoa muito inteligente, com um humor ótimo. Ele publicou alguns livros de poesia, mas me lembro mais do trabalho de poesia visual, pós-concreto, interessantíssimo e pouco conhecido. Vários deles saíram no jornal Nicolau, onde trabalhei em 1989. Seria uma bela homenagem se os amigos e a família pudessem organizar uma que reunisse seus livros e trabalhos inéditos.”
O desafio de Rodrigo Garcia Lopes está lançado, com o endosso da Coluna Frente Fria: a edição das obras completas de Alberto Puppi com um grande lançamento na Universidade Federal do Paraná!
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