Pra quem está programando uma viagem pra São Paulo, trago uma ótima notícia: Andy Warhol está prestes a ocupar a cidade com uma megaexposição. De maio a junho, o Museu de Arte Brasileira (MAB) da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) recebe um conjunto extenso de trabalhos vindos do museu que leva seu nome em Pittsburgh, sua cidade natal. As obras fazem parte de um acervo com cerca de 8.000 peças e compõem a maior mostra do artista já exibida fora dos EUA. Ícone da arte contemporânea, Warhol revolucionou a cultura visual ao transformar objetos e figuras do cotidiano em símbolos artísticos. Décadas depois de sua morte, ele segue como referência incontornável para a arte e para a cultura visual, antecipando muito do que viria com a internet, a cultura das celebridades e o consumo massivo de imagens.
Mais do que transformar rostos famosos em ícones ou dar status de arte a produtos de supermercado, Warhol entendeu como funcionava a engrenagem da fama e da repetição. Não à toa, uma vez disse: “As máquinas têm menos problemas. Gostaria de ser uma máquina. Você não?” Coerente com esta ideia, fazia do seu ateliê um grande centro de produção em série. Mas sua obra não se resume a serigrafias de Marilyn Monroe e latas de sopa Campbell. Entre retratos encomendados, filmes experimentais, manipulação de fotografias e projetos editoriais, ele transitou por diferentes formatos e sempre testou o limiar entre original e cópia, arte e mercadoria.
Não é a primeira vez que o artista ocupa o circuito brasileiro – em 2010, a Estação Pinacoteca de São Paulo apresentou a exposição “Andy Warhol, Mr. America” com cerca de 170 obras, entre 26 pinturas, 58 gravuras, 39 trabalhos fotográficos, duas instalações e 44 filmes, realizados entre os anos 1961 e 1968. Entre os destaques da exposição: a série de retratos de Jackie Kennedy (1964), e de Marilyn Monroe (1967), as Sopas Campbell (1968) e os autorretratos, Uncle Sam (1961), Self-Portrait in drag (1981), Flash November, 22, 1963 (1968). Também foram apresentadas pinturas da série Death and Disaster, que mostram a violência nos Estados Unidos durante os anos 1960. Entre os trabalhos desta série estavam: Little Electric Chair (1964), Five Deaths (1963) e Suicide (1963).
Também foi exibido um ciclo de filmes produzidos por Warhol em seu próprio estúdio, conhecido como The Factory, onde, por sinal, ele sofreu um atentado a tiros, sobrevivendo por milagre. Cada um dos filmes mostrava, direta ou indiretamente, as mudanças na vida social e cultural americana na década de 1960, a ascensão da cultura popular, da televisão e da propaganda. Entre os filmes exibidos estavam Empire (1964) e Blow Job (1963). A mostra acompanhava um catálogo em português e inglês, com reprodução das obras exibida, textos de críticos, de artistas e do curador da mostra, Philip Larratt-Smith.
Agora, a mostra “Andy Warhol: Pop Art!”, na FAAP, certamente trará um recorte mais amplo. Ainda não se sabe quais obras estarão na seleção oficial, mas a expectativa é de que o público veja tanto os hits mais conhecidos quanto aqueles que ajudam a entender a extensão de sua prática. A FAAP prima pela curadoria de suas exposições, vi duas magníficas lá: uma sobre Napoleão Bonaparte e outra sobre a Cultura Helênica. A exposição ocupará duas grandes galerias do MAB; pra se ter uma ideia, a exposição Desafio Salvador Dalí, realizada no ano passado, ocupou metade do espaço no mesmo local.
“Viabilizar esta gigantesca retrospectiva é um marco para a arte e a cultura em nosso país. Warhol foi um visionário que aproximou a expressão artística do grande público. Estamos entusiasmados em proporcionar essa oportunidade única para os amantes dos museus e também para aqueles que terão o primeiro contato com o universo vibrante da Pop Art”, disse Paulo Bonfá, cofundador do Instituto Totex, responsável pela exposição.
Serviço
Andy Warhol: Pop Art!
Onde: MAB FAAP – rua Alagoas, 903 – Higienópolis, São Paulo
Quando: 1º de maio a 30 de junho, das 9h às 20h
Quanto: 3ª a 6ª feira: R$ 50 inteira | R$ 25 meia-entrada, Sábados, Domingos e Feriados: R$ 70 inteira | R$ 35 meia-entrada, fechado às segundas-feiras
Classificação etária: livre para todas as idades
Para entrar no clima, estou lendo a obra “Diários de Andy Warhol”, que contêm as gravações entregues por ele à sua assistente Pat Hackett, a autora do livro. E por falar em Salvador Dalí, transcrevo o capítulo do Domingo, 19 de março, 1978, que envolve Dalí e o movimento punk:
“Domingo de Ramos. Fui à igreja mas uma mulher tinha passado e arrancado todos os ramos. Caminhei até o Laurent na 56 para almoçar. Chris Makos estava só de casaco de couro e o amigo dele estava sem gravata, e parecia um bom restaurante, mas eles estavam preparados para o pessoal do Dalí e nem se importaram.
“Ultra Violet estava sentada ao lado de Dalí e ela fez algo ótimo – estava vestindo a mesma roupa do dia em que nos conhecemos, nos anos 60 – uma minissaia Chanel cor-de-rosa com as mesmas botas e o mesmo penteado. E estava usando uma pulseira que era um Bom-Bril, e disse que quando deixasse de usá-la como bijuteria limparia as panelas com ela. E tinha outra pulseira feita com 20cm de papelão corrugado, daqueles que são usados para enrolar garrafas, pintada de dourado e montada com cola. Era ótimo. Acho que de certa maneira Ultra é criativa. Ela disse que da última vez que a vi eu falei que deveria começar um new look – “Park Avenue Punk” – e que isso deu a ela a ideia de fazer o “Punk Cristão” – e agora ela recita o Pai-Nosso e inclui a palavra “bundão”, o que eu acho nojento.
“Ela vai fazer o seu show no Riverboat e eu disse que ela deveria estrear no CBGB. Eu tinha comprado duas cópias do livro de Dalí para que ele autografasse e um deles já estava autografado “Para Fred” e Dali reautografou para mim. Dalí é tão cheio de ideias e ele está na frente em muitas coisas, mas aí fica para trás em outras. É estranho. Ele estava me contando sobre o livro que acabou de escrever em Paris sobre um irmão e uma irmã que são tão apaixonados um pelo outro que o irmão (risos) come a merda dela. Ele disse que minha ideia da pintura-mijo não é nova porque foi usada no filme Teorema, o que (risos) é verdade, foi usada lá. Eu sabia disso. E aí ele disse uma coisa ótima – disse que os punks são os “Filhos da Merda” porque são os descendentes dos beatniks e dos hippies, e ele está certo.
“Não é ótimo? Os Filhos da Merda. Ele é esperto. Dalí me contou que estava procurando “lindos excêntricos” e eu disse que (risos) mandaria Walter Steding falar com ele. Walter tocaria o seu “violino mágico” mais tarde aquela noite no Max’s. E Dali foi realmente gentil, ele trouxe um saco cheio de palhetas usadas dele para me dar (risos) de presente.
“E tenho de conseguir um pouco de água benta para minha casa. Eu esqueci. Eles dão água benta grátis no saguão da igreja.”
Neste outro trecho do livro, Andy descreve uma noite de Natal na casa de Bianca e Mick Jagger:
“Sábado, 25 de dezembro de 1977… Fui até a 72 Leste (táxi $2.50). Fomos um dos primeiros a chegar. Nick Scott estava na porta, trabalhando. Esse foi o trabalho que conseguiu para ganhar dinheiro: ser o houseboy dos Jagger. Só que ele deveria ter chegado às 8 da manhã para ajudar e chegou às 6 da tarde. Dei a Jade o gatinho cinza de Rusty Holzer. Ela olhou para ele e disse, “Lydia?… Não, Harriet”. Mas fiquei com pena do gato, acho que ele vai ficar numa casa horrível. Sei lá.
“Mick sentou ao lado de Bob Colacello, pôs o braço por cima do ombro dele e ofereceu um pick-me-up (“revigorante”), e Bob disse: “Por que não?; estou mesmo muito cansado”, e quando ele ia dar, Yoko e John Lennon entraram e Mick ficou tão excitado que correu até eles com a colher que estava a ponto de colocar sob o nariz de Bob e colocou sob o nariz de John Lennon.
“Halston e Loulou de la Falaise colocaram um monte de pick-me-up num prato coberto na mesa de café e, quando alguém de quem eles gostavam sentava, eles diziam, “Tire a tampa e sirva-se da surpresa”. Paloma Picasso estava lá.
“Jay Johnson trouxe Delia Doherty. O jantar estava fantástico. Mas Mick e Bianca esqueceram de trazer a sobremesa.
“Segunda-feira, 27 de dezembro, 1976. Recebi o convite para a posse do presidente Carter. Está endereçado a (risos) “Sr. e Sra. Andy Warhol”. Você não adorou?”
Na Quarta-feira, 2 de fevereiro, 1977, Warhol conta sobre um divertido encontro com Michael Jackson:
“Ronnie e eu tivemos uma briga. Ele ficou chateado quando eu disse que não queria as “Foices & Martelos” cortadas e ampliadas da maneira que ele tinha feito enquanto estive fora e ele disse que fez todo o trabalho para nada. Eu perguntei o que teria feito se não tivesse feito aquilo e, então, que diferença faria se não fosse usado. Eu disse que nunca sei o que quero até ver o que não quero, e então ele disse que estava ok se aquilo servisse para me “realimentar”, que teria valido a pena, que ele só ficaria ressentido se tivesse feito o trabalho por absolutamente nenhuma razão.
“Trabalhei até tarde, só saí por volta das 7h30.
“Falei a PH sobre Popism, ela me contou das entrevistas que fez ontem com Jonas Mekas e Kenny Jay Lane. Jonas foi bom. Kenny foi terrível.
“Deixei Catherine (táxi $3). Fui para casa e trabalhei um pouco, e às 11h Catherine e eu fomos até o Regine’s para entrevistar Michael Jackson, do Jackson 5. Agora ele está muito alto, mas com uma voz realmente aguda. Um sujeito grande estava com ele, talvez um guarda-costas, e uma menina do The Wiz. Toda a situação era engraçada, porque na verdade Catherine e eu não sabíamos nada sobre Michael Jackson e ele não sabia nada sobre mim – ele pensou que eu fosse um poeta ou algo assim. Por isso ele fez perguntas que alguém que me conheça jamais faria – por exemplo se eu era casado, se eu tinha filhos, se minha mãe está viva… (risos) Eu disse “Ela está num asilo”.
“Tentamos convencer Michael a dançar e no início ele não queria, mas depois ele e a menina do The Wiz se levantaram e dançaram uma vez.”
Não sei quanto a vocês, mas essas histórias me deixaram ainda mais animado para ver a megaexposição “Andy Warhol: Pop Art!”
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