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27/04/2024



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Botafogo Botafogo

 Botafogo Botafogo

O século 20 foi um período de muitas vitórias para o Botafogo do Rio de Janeiro, apelidado por isso de O Glorioso. O site oficial da FIFA aponta o time da Estrela Solitária como o décimo segundo melhor time do século 20, lista encabeçada pelo Real Madri. Só outro time brasileiro acompanha o Botafogo – o Santos, de Pelé, na quinta posição. Este deve ser o motivo de eu me ter tornado botafoguense na mais tenra idade: criança costuma torcer para o time que está por cima no momento. Fora isso, o meu tio Ary Queiroz, que já foi vice-governador do Paraná, sempre me pedia pra torcer pro seu Botafogo, para ira do meu pai, Justo de Morais, que foi pra reserva como General do Exército e era Fluminense fanático, devendo estar feliz este ano com sua última conquista.

 

Espera aí! A Frente Fria não é uma coluna cultural? O que tem a ver o Botafogo com cultura? Explico: o Botafogo foi o time mais querido pelos intelectuais cariocas dos anos 60 e 70 e tem uma aura mística e supersticiosa que sempre o acompanhou, gerando frases como estas:

 

– “Tem coisas que só acontecem ao Botafogo!” (Anônimo).

 

– “Assim é o botafoguense. Ele não sofre, se purifica. Os invejosos desafiam, dizem que os alvinegros são poucos. Equívoco; são relíquias. E preciosidade não se encontra às pencas no boteco da esquina.” (Autoria desconhecida).

 

– “Eu não sou Botafogo doente. Doente é quem não torce para o Botafogo”. (Anônimo).

 

– “No Rio, a formação da identidade passa, também, pela eleição de um time de futebol. O poeta, fiel à sua infância, escolhe o ‘Botafogo Futebol Clube’. Não frequenta os estádios. Não lê o noticiário. Não ouve as transmissões pelo rádio. Mas, se perguntarem seu time, afirma: ‘Botafogo’. Não se trata de uma paixão, mas de uma senha para a cidadania.” (Vinícius de Moraes, escritor).

 

– “Botafogo é um menino de rua perdido na poética dramaticidade do futebol” (Paulo Mendes Campos, escritor).

 

– “O Botafogo é o clube mais passional, mais siciliano, mais calabrês do futebol brasileiro” (Nélson Rodrigues, escritor).

 

– “Ser Botafogo é escolher um destino e dedicar-se a ele. Não se pode ser Botafogo como se é outro clube: você tem que ser de corpo e alma.” (Mário Filho, jornalista).

 

– “O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha? O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal? O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?” (Vinícius de Moraes).

 

– “O Botafogo tem tudo a ver comigo: por fora, é claro-escuro, por dentro, é resplendor; o Botafogo é supersticioso, eu também sou. O Botafogo é bem mais que um clube – é uma predestinação celestial. Seu símbolo é uma entidade divina. Feliz da criatura que tem por guia e emblema uma estrela. Por isso é que o Botafogo está sempre no caminho certo. O caminho da luz. Feliz do clube que tem por escudo uma invenção de Deus.” (Armando Nogueira, jornalista).

 

– “Não é modismo nem boa fase que me fazem orgulhoso. Tampouco a derrota que me abate e causa desinteresse. O que me faz alegre a cada conquista e me rouba lágrimas a cada derrota é a paixão pelo Botafogo” (Anônimo).

 

Pelo andar da carruagem do Campeonato Brasileiro de 2023, dá pra pressentir o trágico destino que nos espera. O Botafogo fez o melhor primeiro turno da história do torneio, abrindo 13 pontos (olha a superstição aí!) sobre o segundo colocado. Agora, no segundo turno emenda cinco derrotas seguidas pra ser ultrapassado na liderança que detinha desde abril. Sinceramente, não estou surpreso, pois acompanhei duas das histórias que só acontecem com o Botafogo quando tinha dez/onze anos de idade, época em que você é mais fanatizado por um time de futebol. Pra complicar, essas coisas aconteceram no início dos anos 70, e eu morava, com minha família, na Praia Vermelha do Rio de Janeiro, num prédio aos pés do Pão de Açúcar.

 

 

A primeira história foi o incrível Campeonato Carioca de 1971, talvez o mais polêmico da história. O Botafogo, que tinha um timaço apelidado de Selefogo, disparou na liderança e chegou a ser proclamado campeão antecipado pela imprensa de então. Lembro de uma charge no Jornal dos Sports em que a faixa “Botafogo Campeão de 1971” estava pendurada no peito do Cristo Redentor. O time era a base da Seleção Brasileira de 1970, a melhor de todos os tempos. Tinha Carlos Alberto Torres na lateral direita, Leônidas na zaga, Nei Dias e Gerson no meio de campo, Jairzinho, Zequinha e Paulo Cesar Caju no ataque.

 

Assisti a dois jogos ao vivo no Maracanã – verdadeiras epopeias. O primeiro foi contra o Vasco da Gama, que além de perder de 4 X 1, levou um olé duns quinze minutos sem pegar na bola. Daí passaram pro Paulo Cesar na lateral, que começou a fazer embaixadinha na frente do zagueiro Fontana do Vasco. O carniceiro não teve dúvida: entrou com os dois pés no meio do Paulo Cesar e saiu de campo sem esperar que o juiz o expulsasse.

 

O segundo jogo foi contra o Olaria, a grande zebra do campeonato, comandado por Afonsinho e Jair da Rosa Pinto. Entramos pelo lado errado, dentro da torcida do Olaria, pequena, mas bem violenta. Meu pai me disse: não vá comemorar os gols, senão estamos perdidos. Mas foi um jogaço e quando o artilheiro Paraguaio virou o jogo para 3 X 2 não consegui me segurar e pulei. Felizmente, o pessoal do Olaria ficou estático, hipnotizado pela beleza do futebol do Botafogo.

 

Pois bem, só faltavam quatro jogos para ser o grande campeão e precisávamos conseguir apenas dois pontos contra América, Bangu, Flamengo (o maior freguês do Botafogo na época) ou Fluminense. Os jogadores relaxaram e aconteceu o que está acontecendo no Campeonato Brasileiro de 2023: empatamos com o América e perdemos de Bangu e Flamengo. E fomos pra final do torneio contra o Fluminense precisando de um empate.

 

O Fluminense, não era qualquer um, tinha uma sólida base do time que havia sido campeão brasileiro de 1970, comandados pelo goleiro Félix, titular do Brasil na Copa do México. E tinha a fama de ser o preferido dos cartolas, que sempre davam uma ajuda com a arbitragem para o seu Flusão. Pra piorar, meu pai e meu irmão eram tricolores fanáticos e eu tinha tirado sarro deles durante todo o campeonato.

 

O jogo, assistido por mais de 160 mil torcedores, foi dramático. Tivemos no primeiro tempo um Botafogo jogando na retranca, deixando apenas Zequinha e Nilson Dias para os contra-ataques. O Fluminense também entrou bastante cauteloso, provocando um absoluto equilíbrio entre ambos. Com isso, a maior parte das jogadas se desenrolava entre as duas intermediárias. O lance mais perigoso desse primeiro tempo acontece quando Lula do Fluminense, cobrando uma falta, mandou no travessão. Aos 28 minutos, o Botafogo perdeu o lateral Carlos Alberto Torres, que saiu contundido.

 

No segundo tempo o Fluminense voltou com Flávio no lugar de Didi e com isso, deu mais agressividade ao ataque tricolor. Mas o Botafogo era perigoso com as investidas de Zequinha. O Fluminense continuou timidamente mesmo com a entrada de Cafuringa no lugar de Wilton. Com a necessidade da vitória os tricolores partiram para o ataque, principalmente com os laterais Marco Antonio e Oliveira. Aos 34 minutos Félix praticou a mais sensacional defesa do jogo depois de uma falta cobrada por Paulo César com maestria. Faltavam apenas dois minutos pro Botafogo ser o campeão, mas aos 43 minutos do segundo tempo aconteceu o lance que decidiu o jogo, após um cruzamento do lateral direito Oliveira, Marco Antônio e o goleiro Ubirajara se chocaram, tendo a bola sobrado para Lula que fez o gol, com insistentes reclamações dos botafoguenses, o soprador de apito confirmou o gol de Lula e fugiu de campo. Na capa do jornal O Globo ficou estampada a foto acima, com o Marco Antônio empurrando o goleiro Ubirajara para não alcançar a bola. Imaginem o meu trauma infantil: perder um título já ganho, no final do jogo, por um gol roubado. Se não quiser acreditar no que digo aqui, pode confirmar no livro “Carioca de 1971 – a verdadeira história da vitória do Fluminense sobre a Selefogo alvinegra”, de Eduardo Coelho.

 

 

Agora vamos a outro jogo fantástico, uma efeméride que ontem completou 51 anos. Foi no dia 15 de novembro de 1972, dia do 77.º aniversário do Flamengo que o Botafogo aplicou-lhe a sua maior goleada: seis a zero!

 

Lembro que eu não estava muito animado com o jogo: o Botafogo estava mais ou menos no Campeonato Brasileiro de 1972, o segundo no formato que conhecemos hoje. A partir deste jogo, o Fogão deu uma arrancada e acabou em segundo lugar, atrás do Palmeiras, de Ademir da Guia. No ano anterior, o Botafogo já tinha ficado com o terceiro lugar do Brasileirão ganho pelo Atlético Mineiro. O time tinha mudado pouco em relação ao que perdera o Campeonato Carioca de 1971: tinha perdido Carlos Alberto Torres na lateral direita, mas ganhara o grande Marinho Chagas na lateral esquerda. Paulo Cesar Caju tinha mudado para o Flamengo, mas para o ataque tínhamos importado o matador argentino Fischer. O time do Flamengo era bem mais fraco, com o folclórico Fio Maravilha de centro avante.

 

Lembro que na hora do jogo fomos de táxi da Praia Vermelha até a Tijuca, para comemorar o aniversário do tio Edgard. Pelo rádio do táxi, ouvimos que aos 15 minutos de jogo Jairzinho abriu o placar e Fisher marcou mais dois gols antes do fim do primeiro tempo. O apartamento do meu tio era perto do Maracanã e dava pra ouvir a vibração da torcida botafoguense com mais três gols no segundo tempo: um de Ferretti e mais dois gols de Jairzinho (o craque do jogo), sendo o último de letra. Esta partida é mencionada no livro “Os 100 Maiores Jogos do Brasileirão”.

 

De acordo com Roberto Porto, jornalista e historiador alvinegro:

 

“Estava na redação do Jornal dos Sports. Ouvi na rádio. Aquele clássico foi uma loucura. Jairzinho acabou com o jogo: fez três. O duelo foi tão impactante que a edição do dia seguinte vendeu mais de cem mil exemplares e bateu o recorde de vendagem. Lembro da manchete que tive a oportunidade de fazer na época com o José Trajano e representava muito bem: “Foi até covardia”.”

 

Adílio, ex-meia do Flamengo e que em 1972 estava nas categorias de base do clube, participou da preliminar daquele jogo e assistiu das arquibancadas a festa alvinegra. “Eu lembro muito bem, Flamengo e Botafogo, eu estava no dente de leite e fiz a preliminar, estavam jogando Tita, eu e o Júlio César Uri Gueller, depois fomos para as cadeiras assistir ao jogo. O Flamengo perdeu de 6 a 0 e eu perdi uma aposta que havia feito com um amigo botafoguense lá da Cruzada, o Sidnei. Mas falei para ele que no dia que eu fosse profissional do Flamengo eu ia à forra, e combinei desde aquele momento que se tivesse a forra ele teria que me devolver o dinheiro”.

 

O chamado Jogo da Vingança só aconteceu no dia 8 de novembro de 1981, em que o Flamengo devolveu o placar de 6 x 0 recebido do Botafogo em 1972. Durante os nove anos entre as duas partidas, toda vez que as equipes se enfrentavam, a torcida do Botafogo exibia uma faixa com os dizeres “Nós gostamos de Vo6!”.

 

Para se ter uma ideia da importância desta partida para a história do Clássico da Rivalidade, o jornalista historiador rubro-negro Roberto Assaf conta o seguinte:

 

“Só o rubro-negro que passou anos a fio aturando aquela pequena e desengonçada faixa exibida pela torcida do Botafogo em todos os jogos contra o Flamengo tem a consciência exata do que representou a forra da goleada, numa tarde cinzenta de domingo, 8 de novembro de 1981. O Flamengo, na prática, teve duas chances de devolver o placar. A primeira, em 19 de julho de 1975, quando fez 3 a 0 em 13 minutos e começou a diminuir o ritmo, levando a torcida ao desespero. Nem o quarto gol, no finzinho, foi capaz de evitar os protestos: os jogadores do Flamengo foram xingados na saída do Maracanã e dois deles tiveram seus carros quebrados. (…) Para que se tenha uma ideia da força do Flamengo da época vale lembrar que num espaço de 21 dias, o Flamengo conquistou a Copa Libertadores, o Estadual, e o Mundial Interclubes. Mas o fato é que a forra do 6 a 0 também valeu como um título.”

 

Só tem um pequeno detalhe: o Jogo da Vingança não aconteceu no dia do aniversário do Botafogo. O torcedor rubro-negro consciente ainda não se julga vingado por tamanha humilhação, a maior já sofrida por um time brasileiro em sua história.

 

Como pudemos ver: tem coisas mesmo que só acontecem com o Botafogo. Para o bem e para o mal!

 

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