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16/04/2024



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Candongas não fazem festa

 Candongas não fazem festa

A obra a ser resenhada hoje tem o curioso título de “Candongas não fazem festa”. Foi escrito por Marcio Renato dos Santos e é seu nono livro de contos, reunindo 13 narrativas do curitibano, que dialogam com diversas linguagens e autores, como Cortázar e Machado de Assis. Já disse Julio Cortázar: “só com imagens se pode transmitir essa alquimia secreta que explica a profunda ressonância que um conto tem entre nós”. E Márcio segue à risca a lição do mestre em contos de temas e imagens perturbadores. Já no título do livro faz referência a uma frase do conto machadiano “Um homem célebre”, no qual o protagonista, o compositor Pestana, precisava – em 1871 – de um título para uma polca:

“O editor […] disse-lhe que os títulos deviam ser, já de si, destinados à popularidade, ou por alusão a algum sucesso do dia, – ou pela graça das palavras; indicou-lhe dois: A lei de 28 de setembro, ou Candongas não fazem festa.

– Mas que quer dizer Candongas não fazem festa? perguntou o autor.

– Não quer dizer nada, mas populariza-se logo”.

O nonsense da realidade e a solidão, temas da literatura do autor, aparecem em algumas das narrativas de “Candongas não fazem festa”, que pode ser comprado na Tulipas Negras Editora.

Em entrevista para o programa Quarta Cultural na CBN, em 21/12/2022, Marcio Renato comentou que o realismo urbano fantástico de seus contos veio de sonhos ou de notícias de jornal ou de situações vividas. Ou seja, tudo serve de matéria prima pra fazer colagens que dão vida a novas histórias. Para chegar ao bom resultado de contos como “Por instantes, antes de chover” e “Viagem” o autor escreve todos os dias e pensa compulsivamente em literatura. Marcio costuma dizer, fazendo paródia de “Só danço samba”, canção de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, que ele literariamente só escreve conto. O crítico Sérgio Tavares afirmou, em A Nova Crítica, que “Marcio Renato dos Santos é, sem dúvida, o mais contemporâneo contista em atividade. Ele se consagra como um autor que não busca um rótulo temático, mas firmar uma obra na qual a arte da escrita se vira feito uma antena para seu tempo, estabelecendo sinais de conectividade com a malha social”.

Essa contemporaneidade fez com que o autor tivesse um conto traduzido para o alemão, incluído na antologia Were sind bereit, publicada na Alemanha em 2013, ano em que o Brasil foi o país homenageado na Feira de Frankfurt. O contista que pesquisa, estuda e escreve contos também é jornalista, graduado pela PUC PR em 1996. Produziu centenas de reportagens para a Travessa dos Editores, de março de 2003 a setembro de 2007, período em que atuou nas revistas Ideias e Et Cetera. Foi nesta época que o conheci: Márcio me entrevistou para a revista Ideias do saudoso Fábio Campana e confesso que foi a matéria mais detalhista e instigante que escreveram sobre minha pessoa.

De outubro de 2007 até abril de 2011 foi repórter na Gazeta do Povo, no suplemento de cultura Caderno G, espaço em que publicou reportagens, entrevistas, crônicas e especiais sobre literatura – Marcio é mestre em Estudos Literários pela UFPR. Atuou de junho de 2011 até junho de 2012 como assessor de comunicação do Museu Oscar Niemeyer (MON). Em seguida, assume em junho de 2012 (até dezembro de 2018), atividades no Núcleo de Edições da Secretaria de Estado da Cultura, nas dependências da Biblioteca Pública do Paraná. Produz conteúdo jornalístico para o jornal Cândido e a revista Helena, colabora na assessoria de imprensa, edita livros, realiza a função de mediador de bate-papos e a curadoria da Festa Literária da Biblioteca (Flibi) em 2017 e 2018.

Em 2019, não mais atuando no governo do Paraná, é convidado, por Ilana Lerner, diretora da Biblioteca Pública do Paraná, para ser o curador da terceira edição da Flibi, realizada de 22 a 26 de outubro de 2019 na BPP, em Curitiba, e também em cinco cidades paranaenses (Cascavel, Foz do Iguaçu, Londrina, Maringá e Ponta Grossa), com mais de 40 convidados e 50 atrações.

Atualmente coordena, em parceria com Guido Viaro, “Às vezes, aos domingos”, projeto mensal que viabilizou palco virtual para autores paranaenses durante a pandemia desde julho de 2020. Já participaram da proposta Oscar Nakasato, Jaqueline Conte, Luiz Felipe Leprevost, Eliege Pepler, Carlos Machado, Francine Cruz, Alexandre Gaioto, Marianna Camargo, Fábio Campana, entre outros autores, incluindo os acadêmicos Paulo Venturelli, Etel Frota e Ernani Buchmann.

Além de tudo isto, Márcio Renato ainda teve tempo de ser eleito para a Academia Paranaense de Letras em 11 de abril de 2018, na sua Cadeira 36.

Tantas atividades literárias lhe deram uma grande bagagem cultural que demonstrou mais uma vez ao recomendar para os leitores do jornal do Sesc Paraná quatro de seus livros favoritos, aquelas obras que ajudaram a moldá-lo como leitor e, claro, como escritor. Fica a preciosa dica para finalizar esta resenha:

 

Alguma poesia – Carlos Drummond de Andrade

Cem? Duzentas? Trezentas vezes? Mais, certamente li já nem sei quantas vezes esse que é não apenas o primeiro livro do Drummond, mas talvez uma das estreias mais impactantes. Durante o século 20, ele iria se afirmar como poeta (e que poeta, hein?), inserindo no imaginário nacional alguns de seus muitos versos, como o do poema “No meio do caminho”: “tinha uma pedra no meio do caminho”. Tem tanto neste livro, já no primeiro texto, o “Poema de sete faces”, aquele em que a voz poética sugere que, ao nascer, um anjo torto, dos que vivem na sombra, teria dito a ele: “Vai, Carlos! ser gauche na vida”. Alguma poesia tem muita, muita poesia. Tem mais. A maneira de dizer, e o que é apresentado em versos: a infância, as contradições humanas, a inveja (“Política literária”), o humor, tanto sobre e a partir do amor, e do desamor, que eu não devia te dizer, mas essa lua, mas essa cerveja e esse vinho, botam a gente comovido como o diabo.

 

Dinorá – Dalton Trevisan

Após A polaquinha (1985), experiência que dialoga com a estrutura de romance, e depois de Pão e sangue (1988), reunião de contos escritos com toda maestria, recursos e linguagem que o consagraram (inclusive, sob o impacto do texto impecável de João Ferreira de Almeida), Dalton Trevisan inova, de fato, em Dinorá. Neste livro o contista mostra que é possível escrever conto do jeito que ele quiser, por exemplo, fazendo crítica como se fosse um crítico (o que ele também é). “Um conto de Borges” discute um texto do célebre escritor argentino, “Capitu sem enigma” traz argumentos para confirmar que a personagem-central de Dom Casmurro inegavelmente traiu Bentinho, enquanto em “Esaú e Jacó” a narrativa faz uma crítica demolidora ao romance homônimo de Machado de Assis. Há munição contra quase todos, para Curitiba e, em “Turin”, distribuída a ícones culturais da cidade. “Cartinha a um velho poeta” consegue traduzir o que foram, são e serão os chamados poetas de província: “não fosse pai, jurava nunca viu uma mulher nua. […] Não sabe de que recheio os sonhos são feitos. Jamais leu no coração da amada, esse ninho de tarântulas cabeludas”. E há desconstrução, sugerida com ironia, do próprio autor em “Quem tem medo de vampiro?”. Não, Dalton Trevisan não se repete. É imprescindível abandonar lugares-comuns e ler, reler a obra do autor que a partir de Dinorá apresenta contos cada vez mais breves e implacáveis.

 

Distraídos venceremos – Paulo Leminski

Conheci Feliz ano velho (1982), romance do Marcelo Rubens Paiva, e desabalei em busca de outros livros que tivessem aquela linguagem e dialogassem com o adolescente que eu era no fim da década de 1980. E, “pelos caminhos que ando/ um dia vai ser/ só não sei quando”, apareceu Distraídos venceremos. Li a obra de capa vermelha, amarela, branca e cinza mais de duzentas, trezentas, quatrocentas vezes. Conheço os versos de todos os poemas, os breves, então, posso falar continuamente deles e sobre eles. O ritmo, todo o som, a força das palavras, a sensação de liberdade ao ler e reler a obra: tudo me encantou na poesia do Leminski durante anos, até eu nem precisar mais ler: os poemas habitavam o meu imaginário. E, “ano novo/ anos buscando/ um ânimo novo”, deixei o livro na estante por mais de uma década – as páginas do exemplar que tenho ficaram amarelas. Em 2013 apareceu Toda poesia e viajei outra vez não apenas nos poemas de Distraídos venceremos, mas também nos outros títulos e poemas do autor de uma obra capaz de seduzir e monopolizar quase toda a atenção daquele adolescente que fui: “abrindo um antigo caderno/ foi que eu descobri/ antigamente eu era eterno”.

 

Como eu se fiz por si mesmo – Jamil Snege

Às vezes, Viver é prejudicial à saúde (1998) é o livro do Jamil que eu mais gosto. Passo, então, a cultuar O jardim, a tempestade (1989) como a obra máxima dele. Em seguida, tenho a convicção de que Os verões da grande leitoa branca (2000) reúne o que há de mais expressivo no legado do amigo que partiu em 16 de maio de 2003. No momento, Como eu se fiz por si mesmo (1994) é a obra do Jamil que mais releio, com a qual me encanto e lembro dele. Em 274 páginas, o Jamil retrata algumas nuances da realidade em Curitiba na segunda metade do século 20 ao mesmo tempo em que recria, em fragmentos, o seu percurso. A narrativa me arrebata desde a primeira vez em que li, por exemplo, que “trágico ou não, o destino é uma força cósmica, faz você colidir com os deuses. A carreira é um destino amestrado, decaído, dissuadido, sem fervor. […] O destino é nocivo à tribo. A carreira é nociva a você”. A descrição de como e quando conheceu o mar é inesquecível, minutos antes de sua infância sumir para sempre na curva de uma estrada. Independentemente do assunto, seja a morte, o amor, separações, vexames ou aparentes fracassos, é o jeito como ele articula a narrativa que torna visível a potência de Como eu se fiz por si mesmo. Cada capítulo, são 47 ao todo, traz uma possibilidade de texto, seja crônica, carta, conto, jornalismo, roteiro para cinema, dramaturgia e/ou confissão. Na página 98, ao revelar como elegia os parceiros de jornada, identifico uma possível definição para quem sou e, por isso, gosto tanto do magnífico fragmento: “Pessoas sadias, que dormiram bem, que saem à rua com um sorriso meio idiota – essas me repelem. Prefiro os pálidos. Os cabides de roupas mal passadas. Os que nasceram em desavença. Os que têm uma única nota de cinquenta para cruzar o mar noturno”.

 

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