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Cecifrance, Orquestra Sem Fim e Zirigdansk

19/09/2024

Sou afro descendente, filha de pai soteropolitano, negro e mãe descendente síria, mineira, branca. “Me descobri” preta após os 20 anos e assim começou “meu observatório” na vida!

Na última década iniciei estudos ligados a história da escravidão no Brasil, da condição social afro brasileira e a pesquisar passagens da minha infância carioca, nesta condição mestiça, ou “coloured” como se diria na África do Sul. Desde a infância tive a oportunidade de frequentar conservatório de música, ballet, inglês, teatro, arte…crescendo numa realidade de elite branca entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Adulta, fui morar em Salvador e pude vivenciar o racismo calado…vendo parentes, amigos e funcionários, afrodescendentes, não perceberem a força de sua etnia, ignorando a origem.

Vivenciei momentos de engajamento político, artístico, cultural em Salvador. Como arte educadora, trabalhei sempre a história da arte com ênfase nas questões sociais e assim tem sido minha produção: muita pesquisa da cultura afro brasileira, estudo de cores, imagens e artistas do continente africano e links com a arte brasileira moderna e contemporânea, presente no atual momento histórico.

Assim se apresenta a artista plástica Cecifrance de Aquino, autora da exposição “Segredo da Cor”, no Museu Casa Alfredo Andersen, a mais instigante em cartaz em Curitiba atualmente, Nada mais necessário para nós que um projeto cultural abordando o tema do racismo estrutural brasileiro. A exposição pretende através da arte mostrar a História do Brasil, os paradigmas e invenções de arquétipos na literatura, na moda e nas curiosidades sociais. Tudo apresentado em telas e painéis em média e grandes dimensões, com áudios e textos em QR code, como medida de acessibilidade, além de vídeos e imagens midiáticas de paradigmas raciais a que “estamos habituados desde sempre”.

Em cartaz até 4 de outubro a exposição “Segredo da Cor” é uma coleção de 70 produções, destacando-se 8 estandartes, que vão além da desconstrução da herança colonial, mas constroem um novo e otimista olhar. Os estandartes desde o século XVII serviram como símbolos das Unidades de Cavalaria dos Exércitos Europeus e Guardas Reais. Com o passar dos séculos, os estandartes passaram a frequentar as manifestações religiosas católicas. Os 8 estandartes produzidos pela artista são a forma de LEMBRAR e de ABRIR ALAS, como uma representação contemporânea antirracista.

Outro destaque da exposição é a releitura da obra “Duas Raças”, de Alfredo Andersen, convidando o público a refletir sobre os significados das cores da pele. Explorando outras facetas, a exposição também abraça símbolos da brasilidade, como o cachorro caramelo, a espada de São Jorge e o chão de caquinhos, que remetem ao cotidiano do Brasil.

Luiz Lavalle, curador da exposição, professor e também artista, expressa a importância de Cecifrance em dialogar com o passado e o presente, expondo questões racistas e xenofóbicas que ainda permeiam a sociedade.

“Ao longo de sua vida, a artista enfrentou um processo de embranquecimento de suas origens afro, uma experiência que trouxe força para sua produção artística da mostra”, explica o curador sobre as referências clássicas da artista vestidas com críticas às complexas relações econômicas, sociais e religiosas do Brasil.

No Brasil imenso e com tamanha diversidade é preciso apresentar a história e reapresentá-la sempre que possível. O despreparo de toda a sociedade em relação as questões étnicas e históricas e até mesmo a desinformação acerca da nova lei que tipifica a injúria racial e o racismo… Tudo isso passou a ser tema de cada pesquisa, de cada inspiração e produção artística de Cecifrance Aquino, que também é arte pedagoga, nos últimos dez anos.

Como contrapartida social do projeto financiado pela Lei Paulo Gustavo de Curitiba, Cecifrance oferecerá, gratuitamente, no próprio Museu Casa Alfredo Andersen, OFICINAS/ ENCONTROS com grupos de escolas e comunidades ministradas pela artista que estará orientando sobre os benefícios do ANTIRACISMO pra formação de uma sociedade justa e solidária, através da ARTE.

Serviço

  • “Segredo da Cor”, de Cecifrance Aquino
  • Em cartaz até 4 de outubro
  • Museu Casa Alfredo Andersen
  • Rua Mateus Leme, 336, Centro – Curitiba/PR.

 

Outra dica cultural importante acontecerá no Jokers, amanhã, dia 20 de setembro, a partir das 20 horas: show de lançamento do novo álbum “Os dias não são de paz” do Zirigdansk, com abertura do grupo Orquestra Sem Fim.

Por volta de 1998, um coletivo de músicos da maior competência, dirigidos pelo carioca Paulo Brandão, produtor musical de larga trajetória na cena independente do Rio de Janeiro, reuniu-se para gravar o CD Cantos da Palavra, com composições de Marcelo Sandmann, em parceria com Benito Rodriguez, e interpretadas por Silvia Contursi em sua maioria. Silvia, àquela altura, integrava ainda o grupo Fato, grupo de relevo na cena curitibana, juntamente com o guitarrista Miguel Porfírio, que, com o também guitarrista Miguel Zattar, tiveram participação das mais importantes no referido CD. O Cantos da Palavra, fundamentalmente um disco de compositores com arranjos arrojados e diversas colaborações brilhantes, foi muito bem recebido pela crítica de todo o Brasil, a despeito do seu caráter independente, e ganhou o troféu “Revelação” no IV Prêmio Saul Trumpet, em 1998. Canções do disco acabaram sendo incorporadas ao repertório de diferentes intérpretes, como Rogéria Holtz, Alexandre Nero, Anna Toledo e o grupo Fato, entre outros. Em agosto de 2005, comemorando os 10 anos da parceria Sandmann/Rodriguez, um grupo de músicos dos mais respeitáveis na cena musical curitibana, muitos deles amigos de longa data, reuniu-se no show “Outros Cantos da Palavra”, no Teatro Paiol, dentro da programação do Perhappiness daquele ano. O resultado musical e afetivo do encontro foi de tal ordem que, no rescaldo do evento, alguns dos participantes resolveram voltar a se encontrar para tocar juntos, em parte canções do repertório do show, em parte canções conhecidas de outros compositores, em parte composições completamente novas. Convidado a sugerir um nome para o grupo, Marcelo Sandmann recorreu a um neologismo híbrido que há muitos anos o perseguia: Zirigdansk. Fazer música popular brasileira a partir de Curitiba, diante de tantas cenas e eixos com tradições consolidadas e ritmos dos mais originais, será sempre um desafio. E esse desafio terá de dar conta do riquíssimo veio afro-mestiço-brasileiro (o lado “ziriguidum” da coisa), associado à peculiar formação e clima da região, que em muito contrasta com o restante do país (daí o topônimo polonês “Gdansk”, lembrado aqui como um entre outros possíveis emblemas dessa origem diferencial). O grupo passou a se apresentar regularmente em casas de espetáculos e bares, até que finalmente, em 2013 gravou o CD No Silêncio da Canção com composições de Marcelo Sandmann, algumas em parceria com Benito Rodriguez, Emerson Mardhine e Antonio Saraiva. A produção musical ficou novamente a cargo do carioca Paulo Brandão. O disco foi lançado em 3 shows no icônico Teatro Paiol de Curitiba.

Da formação original do grupo permanece a dupla de guitarristas Miguel Porfírio e Miguel Zattar, o primeiro também cantor, com o reforço mais que especial de nomes de relevo na cena musical curitibana como a cantora Rogéria Holtz, o baixista Claudio Jardim, o baterista Paulo Valle, e o próprio Marcelo Sandmann nos teclados. ZiriGdansk renovado e plenamente motivado acaba de finalizar a masterização de material inédito com produção musical do maestro Gilson Fukushima. O resultado sonoro confirma a vocação originária do grupo: Misturar, experimentar, ousar; não ter pudor de rimar alhos com bugalhos; devorar totens, subverter tabus; mas com leveza, prazer e bom humor – é a isso que se propõe o ZiriGdansk, certamente com menos teoria, e muita intuição, talento e feeling, que é isso o que importa e fará toda a diferença. Mais aqui.

 

Como havia prometido ao seu fiel público a Orquestra Sem Fim se acabou de dançar no último dia 4 de junho, numa apresentação memorável no Teatro do Paiol.

Quem perdeu a chance pode compensar amanhã no Jokers ao assistir ao diabólico show dos garotos. Ainda por cima haverá a histórica estreia de Olmar Lopes no baixo da Orquestra Sem Fim. Integrante das bandas Coquetel Molotov (primeira banda punk do Rio de Janeiro) e Black Future (uma das mais cults do Brasil), Olmar mostrou nos ensaios que veio pra ficar. Não percam esta oportunidade!

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