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26/04/2024



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Itiban Comic Shop

 Itiban Comic Shop

Comecei a me interessar por revistas em quadrinhos ainda criança. Em 1974, a antiga Rio Gráfica Editora (atualmente conhecida como Editora Globo) teve a iniciativa de relançar nas bancas brasileiras a revista Gibi, com personagens como Charlie Chan, Brucutu, Família Buscapé e o maior de todos: The Spirit, de Will Eisner. Meu irmão tinha a coleção completa, até que numa de nossas mudanças minha mãe jogou tudo no lixo, achando aquilo um desperdício de espaço. Quando cheguei aqui, vi que havia um movimento forte na área cultural das histórias em quadrinhos, impulsionado pela criação da Gibiteca de Curitiba, que tratarei em artigo do mês de março próximo.

Outro local muito importante para a cena de HQ local foi e é a Itiban Comic Shop, que há mais de 30 anos oferece uma curadoria de HQs, mangás, literatura, card e boardgames feita por pessoas (não algoritmos). As pessoas especialíssimas em questão são o casal Mitie Taketani e Xico Utrabo, que conheci no final dos anos 80. O Banco do Brasil tinha lançado uma agência BB Teen em Curitiba para atendimento especializado num público jovem para rejuvenescer sua base de clientes. O gerente precisava promover eventos para adolescentes e me perguntou o que fazer, já que não entendia nada daquele riscado. Sugeri que fizesse encontros de RPG na agência, que ficava no Shopping Estação, e apresentei o casal da Itiban, único que tinha a expertise e público para isto em Curitiba. Nem preciso dizer que os eventos foram um sucesso.

 

 

Hoje, a loja – vencedora do Troféu HQMix de Melhor Ponto de Vendas em 1998 – tem nas suas prateleiras livros infantis, HQs de super-heróis, quadrinhos autorais mundiais e nacionais, literatura, mangá, RPG, card games, além do ItiClub, clube de leitura mensal e gratuito, e dos bate-papos periódicos com autores de todo o Brasil. As informações a seguir foram retiradas de longas entrevistas dadas por Mitie para o site Vitralizado, para a imprensa local e até ao jornal Estado de São Paulo.

Ela nasceu em São Paulo e ele é de Curitiba. Depois de estudar música na Argentina, no Uruguai e na Espanha, o Xico ficou um tempo na capital paulista em busca de uma gravadora para lançar a banda Máquina Zero, que fez sucesso em Curitiba na época. Era formada por Trinchas (vocal), Belmiro Jorge Pato (batera), Ricardo Saporski (baixista), Xico Ultrabo (guitarra) e Eduardo Coelho (guitarra). Ouça sua música neste link. O Máquina Zero tocou em várias casas noturnas paulistanas e em algum momento Mitie e Xico se encontraram no Madame Satã e rolou aquela empatia por causa da música, do movimento underground e do punk e, sim, eles já curtiam quadrinhos.

Ele teve uma escola forte morando na Argentina e na Espanha e já trazia na bagagem coleções da El Vibora, Cimoc, Metal Hurlant, Fierro… E ela era leitora da Espada Selvagem de Conan, Mad, quadrinhos da L&PM, Spirit, Moebius… Vieram para Curitiba por achar que seria mais fácil sobreviver e resolveram abrir a Itiban. No começo, era no esquema das bancas de jornais: tinha jornal, revistas, desde as pornôs até Veja, Caras. Aos poucos, foram conseguindo um reparte melhor do que realmente os interessava, as HQs e revistas de música, cinema, revistas importadas americanas e inglesas. Começaram a trabalhar com a importadora Devir e foi realmente quando conseguiram ganhar um diferencial: quadrinhos importados de todas as editoras norte-americanas, DC/Marvel, Fantagraphics, Viz, Draw and Quarterly…

Foram os primeiros, pelo menos no Sul do Brasil, a abrir uma loja especializada em HQs. Itiban (Ichiban) significa “primeiro”, “number one”. Tiveram a sorte de contar com o apoio do grande jornalista Aramis Millarch, do jornal O Estado do Paraná, que escrevia sobre arte e cultura, frequentava regularmente a Itiban e escrevia sobre esse pequeno reduto de aficionados. Na época, ali se reunia uma galera da moda, teatro, cinema, música e muitos garotos tímidos atrás de novidades nas HQs.

Já no final da década de 1990, no atual endereço, na Silva Jardim, começaram a fazer eventos de lançamentos de quadrinhos e exposições. Um dos primeiros quadrinistas a pisar na Itiban foi o Lourenço Mutarelli, em 1999, lançando O Dobro de Cinco. Mitie conta que: “ele veio de ônibus e fui buscá-lo na rodoviária. Ele ainda estava dormindo no ônibus e tive que acordá-lo. Demorou um pouquinho pra despertar. Eu meio tímida, ele bem calado, entramos no carro naquele silêncio. Deixei ele acho que no hotel (não lembro!) e ele me entregou o Mini Tonto Requiem. Agradeci e voltei pra casa. Peguei pra ler tomando café e ao final estava em prantos. Quando nos encontramos novamente para o evento na loja, eu dei um tapão nele. Tenho essa péssima mania… Mas ele gostou, deu risada e ficamos amigos. E sempre que ele lançava um novo quadrinho, vinha pra cá. Sempre bancamos sozinhos as vindas dos artistas”.

Em relação à cena de quadrinhos de Curitiba, Mitie acha que a Gibiteca teve papel fundamental para o surgimento de novos artistas. “Quando abrimos a Itiban, sempre participávamos dos eventos no Solar do Barão organizados pela Gibiteca, como festivais de fanzines, shows, encontros de RPG, exposições… Vimos crescer uma geração de artistas que está até hoje batalhando no mercado nacional e internacional. Assim como outros festivais de Quadrinhos, a Bienal de Quadrinhos de Curitiba também incentivou o interesse pelos quadrinhos, surgindo uma geração de autoras e autores que se autopublicam, formam coletivos e participam de várias feiras gráficas pelo país. Isso aconteceu no mercado brasileiro em geral. Pessoas descobrindo as possibilidades de se contar uma história por meio dos quadrinhos.”

Pra finalizar, transcrevemos os depoimentos sobre a Itiban de algumas pessoas importantes da história das HQ brasileiras:

 

• André Conti (editor da Todavia):

“Poucas pessoas batalharam tanto pelo quadrinho no Brasil quanto a Mitie. Poucas pessoas foram tão importantes para a divulgação dos quadrinhos no Brasil. E absolutamente ninguém fez com tanta paixão.”

 

• André Dahmer (quadrinista, autor de Malvados):

“A Itiban é uma ilha de resistência dos quadrinhos brasileiros. Estive lá em 2012, já não me lembro para qual lançamento de livro. Porém, lembro muito bem da família gentil e hospitaleira que tocava o negócio. Em três décadas, eles fizeram uma casa sintonizada com o que há de mais relevante na cena de banda desenhada nacional. Incrível e imprescindível; uma mostra de como é possível construir coisas importantes usando somente a paixão.”

 

• DW Ribatski (ilustrador e quadrinista, autor de Campo em Branco):

“Quando conheci a Itiban, ainda estava no colégio. Chegava antes para fugir para a Itiban, comprar uns quadrinhos. Andava algumas quadras para chegar ali. Tinha uma aura muito mágica. A gente ia todos os dias na banca de quadrinhos para ver se tinha algo novo, mas um amigo me indicou esse lugar que vendia revista importada, que tinha de tudo. Na hora que eu entrei na Itiban, foi um sonho. Tive que conter a emoção para não gritar e pular. Eu fui lá, conheci uns quadrinhos, perguntei algo para o Xico, hoje meu amigo, ele sempre teve um jeito meio grosso: “Como é que é?!” (risos) Comprei lá meu primeiro quadrinho importado, que era de um brasileiro desenhando para os americanos. Acho que era da Image Comics. Na sequência foi bem legal porque tinha um grupo de amigos que marcava de se encontrar lá para desenhar, fazer quadrinhos, fazer zine. Acho que era toda terça e sexta que a gente passava o dia lá na Itiban. Fez parte da minha adolescência, era um lugar de convivência. A gente até lia umas coisas sem comprar. A Mitie sempre teve essa abertura, de querer que as pessoas consumissem no sentido cultural, usufruir das coisas, mesmo se você não fosse comprar. Eu nem entendia a importância de ganhar dinheiro com aquele trabalho. Já não moro mais em Curitiba, mas sempre que vou para lá passo na Itiban porque sempre tem coisas legais. E as conversas…”

 

• João Varella (editor da Lote 42, proprietário da Banca Tatuí):

“Morei em Curitiba entre 2001 e 2009. Muito li, joguei RPG e troquei card naquela loja. A Itiban ajudou na minha formação cultural, no repertório que faço uso na editora. Eu brinco com a Mitie que agora com a editora estou tentando recuperar a grana que eu deixei lá comprando gibis na adolescência. Mas a conta nunca fecha, sempre que vou lá acabo conhecendo uma novidade imperdível.”

 

• José Carlos Fernandes (professor da UFPR e repórter especial da Gazeta do Povo):

“Suspeito que qualquer pessoa que tenha uma mínima ligação com a cultura nutra bons sentimentos pela Itiban – e “bons sentimentos” é uma expressão meio boba que, nos últimos tempos, vale uma vida. Mesmo que não seja frequentador assíduo [eu], um conhecedor de comics, quadrinhos e tudo o que vem junto [também eu], acho que um terço desta cidade – digo assim, no chute – já citou a Itiban, elogiou a Itiban e fuçou para saber o que estava acontecendo por lá. A revistaria/livraria é um lugar. Penso que chamá-la de espaço cultural não faz jus, pois a expressão ficou plastificada. É lugar porque por milagre uma parcela da turma daqui escolheu aquele endereço barulhento para amar, logo, a Itiban é o nosso melhor. Ali habita uma Curitiba jovem, antenada com as outras fronteiras, disposta a aprender – e a encontrar um guru ao lado. Sabe aquela cara que te conta um treco incrível sobre Will Eisner? Do nada? Enquanto folheia… Pois ali a gente encontra.”

 

• Lourenço Mutarelli (escritor, autor de O Filho Mais Velho de Deus, ator, ilustrador e quadrinista):

“Só posso dizer que amo a Itiban. É minha segunda casa, faz parte da minha história. Todos os livros que lanço desde sei lá quando, lanço em São Paulo e no dia seguinte na Itiban. O Xico e a Mitie são minha família.”

 

• Luli Penna (quadrinista, autora de Sem Dó):

“Conheci a Mitie na fila de lançamento do Angola Janga, do Marcelo D’Salete, na UGRAPRESS, a Itiban de São Paulo. Essas duas pequenas livrarias são os super-mega-heróis que fazem o impossível para salvar um mundo quase extinto em que as pessoas se encontram para celebrar livros e voltam para casa mais sabidas, mais felizes e com mais amigos. Para ter uma ideia melhor da beleza e da importância da Mitie, recomendo outro lugar maravilhoso do mundo dos quadrinhos, o site Vitralizado, do Ramon Vitral. Te amo, Mitie! Vida longa à Itiban.”

 

• Marcello Quintanilha (quadrinista, autor de Todos os Santos):

“Não é nenhum segredo que a Itiban é minha comic shop favorita, a que executa as melhores playlists. O quadrinho brasileiro deve a promotores como Mitie e Xico — assim como a Roberto Ribeiro — mais do que se pode imaginar. A abrangência da cena nacional é, em grande medida, resultado direto do empenho e da coragem dessas pessoas.”

 

• Rogério de Campos (quadrinista, editor da Veneta):

“Tanto quanto os quadrinistas, a Mitie Taketani é uma das mais importantes artistas do novo quadrinho brasileiro. A Itiban é sua arte. Mais que uma livraria, a Itiban é uma espécie de centro cultural que tem uma importância que vai muito além das fronteiras de Curitiba. Praticamente todo mundo que conta nos quadrinhos brasileiros já passou por lá.”

 

• Mitie Taketani:

“A gente não vê futuro, nunca vimos. A gente sempre trabalhou o hoje muito intensamente, nunca planejamos nada, não temos um modelo de negócio, sempre foi muito orgânico. O futuro para nós seria uma lei do preço único, que funciona em vários países. Daria fôlego não só pra gente, mas para qualquer pessoa que quisesse abrir uma livraria.”

 

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