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SERGIO-CABECA-COLUNA

Jacques-Yves Costeau

02/01/2025

No mês passado tive o privilégio de assistir à aula magna de Francis Ford Coppola para um teatro Guaíra lotado. E lembrei que muitos anos antes, provavelmente em 1982, vi uma palestra de outro cineasta celebridade da época: Jacques-Yves Cousteau, documentarista, oceanógrafo e inventor mundialmente conhecido por suas viagens de pesquisa, a bordo do Calypso. A palestra era sobre ecologia, uma novidade então, mas que Jaime Lerner, sabiamente, já manejava, lançando o conceito de Curitiba – Capital Ecológica. Lembro que Costeau disse: “hoje o mundo está ciente sobre guerras nucleares, mas essa irá desaparecer. A guerra do futuro será entre aqueles que defendem a natureza e aqueles que a destroem”. Proféticas palavras.

Ele aproveitou sua visita ao Brasil para conhecer a Amazônia e ficou um ano e meio mergulhado na biodiversidade aquática da região. Cousteau foi um dos primeiros a documentar o bioma amazônico em filme. O oceanógrafo francês ficou encantado com a região e definiu a expedição como uma das aventuras mais importantes da sua vida. Cousteau pescou piranha, nadou com botos, e viu a extração do látex e a produção da farinha de mandioca. Ele também se surpreendeu com a variedade de plantas medicinais e a sua utilização na medicina popular.

Jacques-Yves Cousteau nasceu em 11 de junho de 1910 em Saint-André-de-Cubzac, na França. Completou os estudos no prestigiado Collége Stanislas em Paris. Em 1930, ingressou na escola naval e graduou-se como oficial de artilharia. Após um acidente de carro que acabou com a sua carreira na aviação naval, Cousteau voltou seu interesse para o mar. Em Toulon, ele executou sua primeira experiência científica debaixo d’água, graças a seu amigo Philippe Tailliez que, em 1936, enviou-lhe alguns óculos de proteção subaquáticos Fernez, predecessores da moderna máscara de mergulho. Cousteau também fez parte do serviço de informações da Marinha Francesa, e foi enviado em missões para Xangai e Japão (1935–1938) e para a União Soviética (1939).

Em 12 de julho de 1937, casou com Simone Melchior, com quem teve dois filhos, Jean-Michel (nascido em 1938) e Philippe (nascido em 1940). Seus filhos fizeram parte de aventuras a bordo do Calypso. Teve ainda uma filha Diane Cousteau (nascida em 1981) e um filho Pierre-Yves Cousteau (nascido em 1982), ambos do segundo casamento de Cousteau. Um ano depois da morte de sua esposa Simone por câncer, casou-se com Francine Triplet.

Os anos da Segunda Guerra Mundial foram decisivos para a história do mergulho. Depois do Armistício de 1940, a família de Simone e de Jacques refugiaram-se em Megève, onde se tornaram amigos da família Ichac. Jacques-Yves Cousteau e Marcel Ichac compartilhavam o mesmo desejo de mostrar ao público em geral lugares desconhecidos e inacessíveis — no caso de Cousteau, o mundo submarino e, no caso de Ichac, as montanhas altas. Em 1943, os dois vizinhos organizaram o pioneiro Congresso de Filmes Documentários, onde foi exibido o primeiro filme subaquático francês “Par dix-huit mètres de fond” (18 metros de profundidade), feito sem equipamento de respiração, no ano anterior, na ilha Embiez.

Ainda em 1943, fez o filme “Épaves” (Naufrágios), quando usou dois dos primeiros protótipos do Aqualung. O equipamento foi feito em Boulogne-Billancourt pela Companhia Air Liquid. Cousteau é creditado pelo design do Aqualung que deu origem à tecnologia do circuito aberto de mergulho autônomo usada atualmente, isto é, com regulador de demanda e cilindro de ar comprimido. De acordo com o seu primeiro livro “Mundo do silêncio: uma história de descobertas e aventuras submarinas” (1953), Cousteau começou com óculos de proteção Fernez em 1936, e em 1939 usou o aparelho autônomo de respiração subaquático, inventado em 1926 pelo Comandante Yves le Prieur. Cousteau não estava satisfeito com o período de tempo que passava debaixo d’água com o aparelho de Le Prieur, então resolveu improvisar, adicionando um regulador de demanda, inventado em 1942 por Émile Gagnan.

Mantendo vínculos com falantes de língua inglesa (passou parte de sua infância nos Estados Unidos) e com soldados franceses na África do Norte (sob comando do Almirante Lemonnier), Cousteau ajudou a Marinha Francesa a juntar-se novamente aos Aliados, montando uma operação de comando contra o Serviço de Espionagem Italiano na França e recebendo várias condecorações por seus atos. Naquela época manteve distância de seu irmão Pierre-Antoine Cousteau, um escritor antissemita que escreveu o jornal colaboracionista “Je suis partout” (Eu estou em todo lugar) e recebeu sentença de morte em 1946. Entretanto, esta foi depois modificada para uma sentença perpétua da qual foi liberto em 1954.

Em 1946, Cousteau e Talliez mostraram o filme Épaves ao Almirante Lemonnier, e o almirante responsabilizou-se por montar o Groupement de Recherches Sous-Marines (GRS ou, em português, Grupo de Pesquisas Submarinas) da Marinha Francesa em Toulon. Em 1948, envolvido em missões de desativação de minas, explorações submarinhas e testes técnicos e físicos, Cousteau empreendeu a primeira expedição no Mediterrâneo a bordo da corveta Élie Monnier com Philippe Talliez, Frédéric Dumas e Jean Alinat, além do escritor Marcel Ichac. A pequena equipe também atuou no naufrágio de um navio romano em Mahdia (Tunísia). Esta foi a primeira operação arqueológica que utilizou mergulho autônomo, assim abrindo caminho para o mergulho científico arqueológico.

Em 1949, Cousteau deixou a Marinha da França. No ano seguinte, fundou a campanha Oceanográfica Francesa, e arrendou o navio chamado Calypso de Thomas Loel Guinness por, simbolicamente, um franco por ano. Cousteau reformou o Calypso como um laboratório móvel para pesquisas de campo e como sua principal embarcação para mergulho e filmagem. Também cumpriu escavações arqueológicas submarinas no Mediterrâneo.

Com a publicação do seu primeiro livro em 1953, “O Mundo do Silêncio”, previu a existência da habilidade de ecolocalização dos golfinhos. Contou que seu navio de pesquisas, o Élie Monier, estava se dirigindo para o Estreito de Gibraltar, e um grupo de golfinhos os estava seguindo. Cousteau mudou o curso para poucos graus a menos que o curso ideal para o centro do estreito, e os golfinhos os seguiram por poucos minutos, separando-se em sentido ao meio do canal de novo. Aquilo foi uma evidência de que os golfinhos sabiam qual o curso ideal estabelecido, até mesmo se os humanos não soubessem. Ele concluiu que os cetáceos possuíam algo semelhante a um sonar.

Cousteau ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1956 pelo “O Mundo do Silêncio”, coproduzido por Louis Malle e rodado nos mares Mediterrâneo e Vermelho e no Oceano Índico. Veja o filme aqui.

Com assistência de Jean Mollard, fez o “Pires de Mergulho” SP-350, um veículo de mergulho experimental que podia alcançar a profundidade de 350 metros. Um ano depois, foi eleito diretor do Centro Oceanográfico de Mônaco. Dirigiu experimentos de mergulho em saturação (imersões de longa duração e casas debaixo d’água). Além disso foi admitido na Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

Jacques Cousteau esteve mais uma vez em Curitiba, em 1992, para inaugurar a Universidade Livre do Meio Ambiente (Unilivre). A universidade está localizada no Bosque Zaninelli, que era anteriormente uma pedreira, e é um dos pontos turísticos da cidade.

Além de suas contribuições científicas e invenções, Cousteau também foi um grande defensor da preservação ambiental. Em 1974, ele fundou a Cousteau Society, uma organização sem fins lucrativos dedicada à proteção dos oceanos. Seu impacto foi global, sendo convidado a participar da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente no Rio de Janeiro, em 1992, ocasião em que aproveitou para rever Curitiba e, a convite do então prefeito Jaime Lerner, visitou a Universidade Livre do Meio Ambiente. Impressionado com a iniciativa curitibana, Cousteau declarou:

“A preservação ambiental é um dever da coletividade, portanto, todos devem ter acesso às informações necessárias para concretizá-la. (…) Nunca vi uma iniciativa semelhante a essa de Curitiba. É um exemplo que deve ser copiado em todo o mundo.”

Em sua homenagem, o edifício da Unilivre no Bosque Zaninelli foi batizado Pavilhão Jacques Cousteau, um tributo ao seu legado e ao seu compromisso com a educação ambiental e a preservação da natureza.

Cousteau faleceu em 25 de junho de 1997, em Paris, mas sua mensagem de cuidado com o meio ambiente permanece mais viva do que nunca. Suas organizações continuam a atuar globalmente, mantendo sua visão de um planeta mais consciente e sustentável. Um exemplo de vida a ser mergulhado e seguido.

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