Nunca houve um ano com tantas efemérides culturais como 2024. Agora trata-se do bicentenário da morte do grande poeta George Gordon Noel Byron, 6.º Barão Byron, nascido em Londres, em 22 de janeiro de 1788, e falecido em Missolonghi, em 19 de abril de 1824 – aos 36 anos de idade, febril e doente, mas ainda assim lutando com o exército grego para libertar o país da opressão dos turcos.
É um dos mais famosos poetas de todos os tempos, tanto por sua obra vasta e fascinante quanto pela vida cheia de aventuras, rebeldia e escândalos. Estreou com o livro de versos “Horas de Ócio” (Hours of Idleness, 1807), e logo atingiu o estrelato ao publicar os dois primeiros cantos do longo poema narrativo “Peregrinação de Childe Harold” (Childe Harold’s Pilgrimage, 1812).
Como declarou o próprio Byron, no dia seguinte a essa publicação: “eu acordei famoso”. A produção de Byron foi extensa, com destaque para a grande obra final, em 16 cantos: Don Juan. É possivelmente, depois de Shakespeare, o poeta inglês mais traduzido no Brasil (e assim também no mundo inteiro).
Minha turma da Frente Fria sempre teve adoração pela sua biografia e poesia. Eu e Thadeu Wojciechowski, por exemplo, fizemos uma livre adaptação de um trecho de “Peregrinação de Childe Harold”:
O canto de Eufórion
.
outrora viveu numa ilha um cara de certo carisma
tinha sempre um álibi pra faltar à missa
passava os dias sob as ordens da preguiça
e, à noite, uivava uma lua mortiça
pobre de nós, não tinha a menor pudicícia
tanto fazia pra ele roela de porco ou algo que cisca
poucas gotas eram colírio pra seus olhos de oculista
exceto garotas de programa dançando na sua pista
uma carne tão fraca só podia mesmo dar em carniça
Pesquisando na internet, ficamos sabendo que Byron era descrito como o mais extravagante e notório dos poetas românticos e tanto foi festejado quanto criticado em sua vida pelos excessos aristocráticos, incluindo altas dívidas, numerosos casos amorosos com homens e mulheres (como, por exemplo, com a meia-irmã da escritora Mary Shelley, Claire Clairmont), além de boatos de uma relação escandalosa com sua meia-irmã, autoexílio e bissexualidade.
Era filho do capitão John “Mad Jack” Byron e sua segunda esposa, Catherine Gordon. Conta-se que John Byron era um soldado violento e que acumulava monstruosas dívidas, fato que, dentre outros, rendeu-lhe o apelidou de “Jack Louco”. O pai de Byron seduzira anteriormente a Marquesa de Carmarthen com quem se casou depois que esta se divorciou de seu marido. O tratamento que ele lhe conferia foi considerado “brutal e vicioso” e ela morreu após o nascimento de duas filhas, das quais apenas a primeira sobreviveu: a meia-irmã de Byron, Augusta.
John Byron foi “afogar suas mágoas” em Bath, um balneário em moda na época. Lá conheceu Catherine de Gight, uma órfã e herdeira escocesa. Catherine era feia, pequena, gorda, com pele corada demais e nariz comprido. Porém, possuía algo em que John Byron se interessou deveras: era herdeira de 23 mil libras, destas, três mil liquidas e o resto representado pela propriedade de Gight, direitos de pescas de salmão e ações de um banco em Aberdeen.
Para reivindicar a propriedade de sua segunda esposa na Escócia, o pai de Byron adicionou “Gordon” a seu nome, tornando-se John Byron Gordon. O próprio Byron usou esse sobrenome por um tempo e foi registrado na escola em Aberdeen como “George Byron Gordon”. Com a idade de 10 anos, ele herdou o baronato inglês de Byron de Rochdale, tornando-se “Lord Byron” e, eventualmente, desprendeu-se do sobrenome duplo.
Os avós paternos de Byron foram o vice-almirante Hon. John “Foulweather Jack” Byron e Sophia Trevanion. John Byron tinha circunavegado o globo e era o irmão mais novo do 5º Barão Byron, que teve seu destino marcado pelo assassinato que cometeu. Ele estava em uma taverna, conversando sobre caça, quando iniciou uma discussão com Chaworth, que havia debochado do quinto lorde por suas desvantagens de caça. Enfrentaram-se e Chaworth foi rasgado pela espada de Byron. O quinto e desgraçado lorde Byron foi julgado e absolvido. Porém carregou consigo o eterno peso de ser encarado como um assassino. Talvez, por isso, tenha desenvolvido um comportamento estranho durante sua vida, o mesmo comportamento que o qualificou com o apelido de “o Senhor malvado”.
Durante a noite, ele abria as represas dos rios para destruir as usinas de fiação; esvaziava os lagos dos vizinhos; mandou construir na margem de seu lago dois pequenos fortes de pedra, e mantinha uma frota de barcos de brinquedo, os quais fazia flutuar no lago; organizava sobre seu próprio corpo corridas de grilos que, segundo seus criados, obedeciam-no.
O Capitão “Mad Jack” Byron casou-se com sua segunda esposa pelo mesmo motivo que ele se casou com a primeira: a fortuna dela. A mãe de Byron teve que vender sua terra e o seu título para pagar as dívidas de seu novo marido e, no espaço de dois anos, a grande propriedade, que valia cerca de 23,5 mil libras esterlinas, havia sido desperdiçada, deixando a herdeira com uma renda anual em confiança de apenas 150 libras. Em uma mudança para evitar seus credores, Catherine acompanhou seu marido devasso à França em 1786, mas voltou à Inglaterra no final de 1787 para dar à luz ao primeiro filho em solo inglês. Ele nasceu em 22 de janeiro no alojamento em Holles Street, em Londres.
Catherine voltou à Aberdeenshire em 1790, onde Byron passou sua infância. Seu pai se junta a eles ao alojamento na rua Queens, mas o casal logo se separara. Catherine regularmente tinha mudanças de humor e crises melancólicas, que poderiam explicar a razão de seu marido continuar pegando dinheiro emprestado. Como resultado, as dividas ainda pioraram por causa dele. Foi um desses empréstimos inoportunos que lhe permitiram viajar para Valenciennes, na França, onde morreu em 1791.
Descrita como “uma mulher sem julgamento e auto comando”, Catherine mimou seu filho ou o irritou com sua ternura caprichosa. Seu hábito de beber o enojava, e ele por vezes zombava dela, chamando-a de baixinha e gordinha, e, deste modo, tornou difícil sua educação. Ela uma vez o retaliou em um ataque de nervos e referiu-se a ele como “um pirralho coxo”.
Sob o teto de uma criação instável, Byron ainda portava uma pequena enfermidade que o marcaria com forte veemência: ele possuía um defeito em uma das pernas. Tal defeito foi um obstáculo enorme no desenvolvimento do garoto, que se sentia envergonhado perante os outros. O tratamento, exaustivo, também o irritava muito.
Contudo, os anátemas destinados a esse Byron, não fariam tanto efeito como pensado. O garoto possuía características peculiares que o destacavam. Apaixonou-se por literatura ao primeiro contato – ainda bem novo – com a história de Caim e Abel contada por um professor de História de sua escola. Além de tudo, foi conquistando amigos no colégio de maneira bastante surpreendente. Uma certa vez, um garoto – primeiro amigo de Byron – apanhava de um tirano marmanjo. Byron, com a voz trêmula e os olhos cheios de lágrimas, perguntou para o brutamontes, quantos socos pretendia dar em seu amigo. Surpreendido, o garoto perguntou o motivo dessa “estúpida” pergunta. Byron, disse: “Se não se importar, gostaria de receber a metade”.
Byron conquistou, também, o diretor de seu colégio, o doutor Joseph Drury, que – de tanta afeição – ofereceu-se para ensinar latim e grego a Byron. O dr. Drury foi um grande condutor do menino Byron, porém ganhou diversos momentos de enxaquecas pela ousadia disciplinar do garoto.
Byron havia se irritado com as audácias malignas da mãe. Com isso, resolveu deixar a cidade de Southwell e partiu para Londres. Lá, enquanto esperava alcançar a maioridade, Byron decidiu ser poeta, embalado pelos literatos que, durante toda sua adolescência, leu.
Escreveu uma série de poemas e, apoiado por uma amiga de Southwell – cujo nome era Elizabeth – publicou o seu primeiro livro: ”Horas de Ócio”. Byron havia dedicado grande parte de seu tempo para concretizar o projeto. Deixou ao encargo de Elizabeth a organização e a impressão. Os primeiros exemplares impressos foram distribuídos a amigos e conhecidos. Logo então, os consequentes exemplares foram entregues às livrarias e propostos a consignação. Byron, ansioso, visitava o máximo possível de livrarias para conferir a vendagem, que por sinal era boa.
Logo, começaram as críticas: as pessoas de Southwell não haviam gostado do livro, faziam críticas frias ao trabalho de Byron e se sentiam ofendidas com suas manifestações de ódio ao lugar (Southwell). Já a crítica se ocupou da duplicidade de opinião de sempre: uns elogiavam, outros arrasavam.
Byron recebia elogios de seus amigos e de familiares distantes. Porém, um aviso sobre um artigo hostil e violento que seria publicado na Revista de Edimburgo – principal órgão liberal escocês, lhe chegou aos ouvidos. Ele esperava com grande ansiedade, mas não esperava tanto: “A poesia desse jovem Lorde pertence àquela cuja existência nem Deus e nem os homens admitem. Para diminuir seu crime, o nobre autor apresenta sobretudo o argumento de sua menoridade. Provavelmente pretende dizer: vejam como um menor pode escrever! Este poema foi feito por um rapaz de 18 anos… e este por um de 16!…”, e por aí prossegue, com um tom igualmente cruel. Byron ficou arrasado. Pensou em replicar, mas decidiu calar-se – por enquanto. Relevou o fato de que todos os escritores passam por isso em suas respectivas carreiras e prosseguiu com a mesma empolgação.
Lorde Byron decidiu partir para uma viagem incógnita, na qual ele pretendia descobrir as belezas dos países vizinhos a Inglaterra. Visitou vários países e despertou seu gosto à beleza contrastante entre as obras góticas e as produzidas pela guerra. Byron achava lindas as paisagens de uma cidade destruída. Obteve diversas experiências e voltou renovado para Inglaterra. Foi, então, convocada sua presença na Câmara dos Lordes para tomar posse de seu cargo. Byron agiu completamente contra as tradições que assolavam a Câmara: primeiro, foi acompanhado apenas de um amigo, enquanto a presença da família nunca deixou de existir como princípio aos lordes. Depois, agiu com indiferença ao receber os cumprimentos do presidente da Câmara. Seu amigo espantou-se ao presenciar tamanha arrogância: Byron ofereceu ao “presidente” apenas as pontas dos dedos como forma de, segundo ele, “não iludi-lo em relação ao seu possível apoio, pois não o daria a ninguém deste lugar”.
O tempo se passou e o poeta resolveu lançar seu mais novo trabalho: “Childe Harold”. O livro contava suas aventuras durante a viagem pela Europa e foi concebido pela sociedade como um novo fenômeno literário. Byron, de início, não acreditava que seu livro fosse capaz de causar tanto frisson; contudo, foi o que aconteceu. A obra explodiu como uma bomba prestes a iniciar novos tempos na vida de um homem que, por sua vez, estava prestes a viver algo bem mais explosivo que o sucesso: o incesto.
A nova vida se instalava com ares de idolatria. Um rei suspenso de seu posto por toda vida e que definitivamente tomava seu devido lugar. Byron era aclamado em todos os cantos da grande Inglaterra. Intelectuais, políticos, artistas e – principalmente – mulheres, proclamavam seu nome em todas as discussões imagináveis.
O pequeno jovem coxo, antes recusado por inúmeras garotas, era então o ideal imaginário de nove entre dez mulheres inglesas. Todas fantasiavam suas feições, imaginavam seus dotes e deslumbravam-se aos versos de uma literatura excêntrica e real.
Para finalizar com chave de ouro, apresentamos aqui um de seus mais belos poemas curtos (“She Walks In Beauty”), traduzido por Ivan Justen Santana:
Ela anda em charme
Ela anda em charme, como a noite negra
De climas cálidos e céus sem par:
Todo o melhor que a luz à sombra agrega
Encontra-se no seu perfil e olhar,
Mesclado àquela rutilância meiga
Que o firmamento oculta ao dia alvar.
Uma penumbra a mais, um raio a menos,
E então talvez tal graça se evolasse,
Que em cada trança, em balanços amenos,
Flutua ou pousa sobre a sua face,
Onde os pensares doces e serenos
Se expressam com simplicidade e classe.
E na maçã, no rosto radiante,
Tão macio, tão calmo, mas eloquente:
Sorriso vencedor – rubor pulsante –
Que diz de dias idos gentilmente,
Da mente em paz com tudo circundante,
Do coração de amor sempre inocente!
Leia outras colunas Frente Fria aqui.