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Oss Propaganda

01/12/2022
propaganda
Roberto Prado, Sérgio Viralobos, Thadeu Wojciechowski e Marcos Prado aprontando na OSS Propaganda

Esta é outra história daquelas meio inacreditáveis que aconteceram em Curitiba e pouca gente conhece, mas a coluna Frente Fria faz questão de escarafunchar. Quem aí sabe que existiu uma agência publicitária, de 1986 a 2004, que além de atender seus vários clientes ainda era uma verdadeira usina e mecenas de projetos culturais para a cidade? E o mais estranho era seu nome: OSS. Qual será seu significado?

Tudo começou no início dos anos 80, quando o poeta e publicitário Roberto Prado foi contratado para trabalhar na área de criação da Umuarama Comunicação e Marketing, a imensa agência do Grupo Bamerindus. Na época, a chefia era de Eloy Zanetti, como gerente geral da agência, e Sérgio Reis, diretor de marketing do banco. Lá, ele encontrou um velho colega dos tempos do secundário no Colégio Estadual do Paraná: Ubiratan Gonçalves de Oliveira, contratado como arte-finalista e, logo depois, promovido a chefe de estúdio. O Bira sabia tudo de ilustração, pintura e seus muitos etcéteras. Prado conheceu lá também o Roberto Jubainski, designer e artista, mas que ali começava na propaganda como tráfego (a pessoa que fazia a liga do trabalho entre os diversos setores – trabalho ingrato, pois tem que lidar com prazos, cumprimento dos briefings e, principalmente, tourear o ego imenso da galera). Um dia, descobriram que era inviável que Roberto Prado continuasse acumulando o serviço de revisor e redator, naquele ritmo industrial de produção da agência. Ele sugeriu o nome de Thadeu Wojciechowski que, pouco tempo depois, já era consultado pela chefia para os projetos (que eram muitos e grandes), além de começar também a atuar como uma espécie de sparring de criação. Alguns anos depois, esses quatro elementos largaram seus belíssimos empregos para se aventurarem na fundação de sua própria agência, a OSS Propaganda, no ano da graça de 1986.

Em depoimento para esta coluna Frente Fria, Roberto Prado relembra: “o nome OSS surgiu do título de um livro de poesia que lançamos em 1985, ainda na Umuarama, e foi marcante. A edição foi patrocinada pelo Bamerindus, com a condição de que não aparecesse o nome da instituição em lugar nenhum da obra. Foi considerado muito radical. A única pista foi um agradecimento ao Eloy Zanetti. Aliás, de novo: obrigado, Eloy. Edição enorme, capa do Solda, feita pelos melhores profissionais das artes gráficas e sem miséria. Uma edição impressionante, 5 mil exemplares, capa colorida.”

No prefácio do livro, os autores Thadeu Wojciechowski, Roberto Prado, Marcos Prado e Edilson Del Grossi assim definiam a palavra OSS: “Ossichinobu – vem do japonês. Pode ser traduzido como: “opa”, “e aí?”, “oi”, “olá”, “como vai, tudo bem?”, “tchau”, “desculpe a porrada”, “obrigado pela porrada”, “em frente com paciência”. Já em português, imaginamos que possa ser um anagrama de “save our souls”; o plural do artigo masculino plural os; na linguagem de relógio digital do Alberto Centurião, exatamente zero hora e cinquenta e cinco minutos; o O que falta pra osso, foi duro, mas nós roemos.”

Thadeu Wojciechowski escreveu para a Revista Cândido no artigo “Eu por mim mesmo”, de 12/08/2015: “foi a época da loucura total. Minha amizade com Marcos Prado e toda essa turma criou um elo com a nova geração e dele nasceram bandas e movimentos, estéticas que moldaram o atual rosto da cidade. Líamos, víamos e ouvíamos tudo que pintasse pela frente. Nada foi deixado de lado, de Noel a Issa, de Hendrix a Kliebnikov, de Mozart a Catulo da Paixão Cearense, do romantismo ao Tao, de Chico a Dante Alighieri. Traduzimos dezenas de livros e poetas, escrevemos outro tanto. As músicas pululavam à nossa volta. Livros às pencas nas formas mais diversificadas, tipo cordel, xerox, mimeógrafo, os feitos para eventos em bares. E os mais bem cuidados, com parceria de artistas gráficos e impressos nas melhores gráficas. Miran, Solda, Ubiratan Gonçalves de Oliveira, Roberto Jubainski, Alessandro Wojciechowski e Alessandro Ruepel (o Magoo) foram alguns artistas parceiros. As letras/poemas ganharam força, precisão, humor, contestação, a estética punk se impôs e fez história. O Leminski, após Catatau, ganhava o Brasil com uma poesia cheia de graça e estilo. Marcos Prado e Sergio Viralobos se transformariam nos letristas favoritos da nova geração e eram cantados pelos quatro cantos da cidade. Thadeu e Roberto Prado trabalhavam juntos e participavam de quase todos os projetos, com letras, poemas, matérias, artigos. O livro OSS foi o marco de toda essa nova estética. Meio marginal, meio filosófica, meio TUDO AO MESMO TEMPO AGORA JÁ NESTE MOMENTO INCLUSIVE ANTES E DEPOIS.”

Naquela época, eu estava bastante entretido com meu trabalho no Banco do Brasil, mas sempre que tinha tempo, dava uma passada na OSS para tramar novos projetos poéticos com os amigos. O ambiente era um entra e sai de clientes e artistas, num clima de criatividade permanente. Participei de vários livros de poemas em parceria, como ‘Pérolas aos Poukos’ (1988), ‘Os Catalépticos’ (1990), ‘Eu, aliás, nós’ (1995), ‘Um Fausto’ (1996) e ‘Não temos nada a perder’ (2006). Todos bancados pela OSS.

Roberto Prado fala mais um bocado sobre o que acontecia por lá: “a OSS Propaganda marcou época. A linguagem, nascida de poetas e artistas gráficos, era altamente explosiva e contrastava enormemente com o que havia no mercado. Devia funcionar, pois começamos a ser cada vez mais requisitados. Para O Boticário, por exemplo, fizemos uma série de poemas curtos ligados à preservação ambiental que decorou as sacolas das lojas por alguns anos. No Brasil inteiro, nossos poemas e as artes de Bira e Jubainski andaram nas ruas nas mãos dos consumidores O Boticário. Isso é só um exemplo. Fizemos a inauguração do Shopping Garcez. Nos tornamos uma das preferidas do mercado imobiliário. Crescemos, fomos pegando contas grandes, Governo do Estado, Banestado, Prefeitura de Curitiba, indústrias de vários setores. Mas continuamos fazendo nossas traquinagens. A agência era uma verdadeira central criativa, sempre aberta para as genialidades presentes, nascentes e crescentes de Sérgio Viralobos, Beto Trindade, Luiz Ferreira, Marcos Prado, Beijo AA Força em peso e outros da estirpe do Edson Vulcanis e Márcio Cobaia Goedert. Lembro de terem passado por lá para trocar figurinhas o Pedro Luiz, da banda Pedro e a Parede, o Alceu Valença, o Rolando Castello Junior, baterista da Patrulha do Espaço, entre outras glórias da música brasileira. A revolução teatral também deu as caras pela OSS, em parcerias com Felipe Hisrch e Guilherme Weber, por exemplo. Escritores e poetas? Nem arrisco a citar. Quase todos? Entre os que chegaram a trabalhar efetivamente na agência, lembro agora dos ilustres artistas Walmor Frank Góes, Rodrigo Barros del Rei, Magoo, Vlad Urban, Edilson del Grossi. Entre uma e outra campanha, editamos diversos livros, entre eles uma coleção de 4 obras em parceria com a Fundação Cultural de Curitiba (Eu, aliás, nós; Motim; Ai dos que não são Thadeu e Livro dos contrários), a coletânea de traduções Os Catalépticos e um especialmente ousado, pois foi escrito em língua brasileira, Perolas aos Poukos e Erdeiros do Azar, que chegou a ter chamada para o lançamento na capa da Folha de São Paulo. Promovemos um evento, em forma de bazar, que mexeu com a cidade, batizado de Flores em Vida, em apoio ao artista Luiz Antônio Solda. A OSS, além de organizar a festa, com ajuda dos familiares e amigos do grande poeta e cartunista, conseguiu produzir e veicular chamadas em rádio, TV e jornal, campanha bem reforçada, em parceria com empresas de som, vídeo, rádios, televisões e jornais. Também nascida da OSS foi a página de poesia e artes gráficas ‘Bem-me-quer/Mal-me-quer’, colorida, publicada com destaque pela Gazeta do Povo, então o jornal com maior tiragem do Paraná. Entre os muitos orgulhos, um raríssimo contato com o escritor Dalton Trevisan, que liberou sua obra para publicação na página e mandou uma resma de contos novos com a frase: “façam o que quiserem, confio em vocês”.”

Claro que uma história tão bonita não podia durar muito. Problemas tributários, desavenças internas, crises econômicas, falta de capital de giro acabaram minando a OSS, até que um golpe fatal de karatê a derrubou em 2004. Mas ficou a lição através de um poema de Thadeu:

não me use como espelho

eu sou um cisne

e você é o patinho feio

1 Comentário

  • Sérgio, grande artigo, você é o fosfosol da memória cuiritibana.

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