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19/04/2024



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Retorno de Herchcovitch

 Retorno de Herchcovitch

Em 1998, mudei de Curitiba para São Paulo para assumir a gerência de uma agência do Banco do Brasil no Shopping Paulista. Ao lado da agência ainda havia um espaço chamado BB Teen, feito para atrair jovens clientes para o banco. Por conta disso, eu costumava visitar eventos como o Mercado Mundo Mix, um movimento cultural de vanguarda que incentivava a produção e sustentação de novas marcas dentro do mercado brasileiro de moda, design, música e gastronomia através do empreendedorismo criativo. O estilista que mais chamou minha atenção pelo seu talento evidente chamava-se Alexandre Herchcovitch.

Conhecido pela transgressão estilística, ele foi responsável por levar à passarela roupas de vinil e látex, cobrir os rostos dos modelos, trabalhar jeans de forma não convencional, ter como símbolo a caveira, apostar em looks fetichistas, trazidas das fervuras das noites paulistas dos anos 1990, xadrezes usados de forma nada tradicional, entre outras novidades que ainda preenchem desfiles nacionais e internacionais. Logo consegui abrir uma conta para sua empresa na minha agência, embora tivéssemos pouco contato, pois a parte financeira e de negócios era totalmente gerida por sua mãe. Dona de um visual impactante (seus cabelos pareciam o da Madame Min), Regina sempre deu apoio total para a carreira do filho, como boa mãe judaica ortodoxa. Desde então passei a seguir a carreira dele, mesmo à distância, quando já estava gerenciando agências bem maiores que aquela primeira.

O contato de Alexandre com o mundo da moda se iniciou desde cedo, justamente por conta do convívio com sua mãe. Ela tinha um minúsculo empreendimento de roupas íntimas femininas e ensinou princípios básicos de costura para o filho. Foi aos 16 anos que costurou seu primeiro vestido. Seu primeiro desfile aconteceu em 1992, aos 22 anos, na sua formatura na Faculdade de Moda Santa Marcelina, em São Paulo, com um misto de sucesso e espanto. Ele convidou a drag Márcia Pantera para desfilar num look com uma cruz invertida, terço nas mãos e chifres na cabeça. Enquanto ela andava, a passarela ficava marcada por um rastro de sangue.

Em 1994, ele participou da primeira edição do Phytoervas Fashion, criado por Paulo Borges (outro personagem mitológico da moda brasileira), que deu origem a São Paulo Fashion Week. Já em 2004, o estilista participou do desfile de inverno em Paris, num desfile icônico que misturou inúmeras referências: a personagem Hello Kitty, xadrez, babados emborrachados e tiaras de frutas na cabeça, ao estilo Carmen Miranda dark. Outro desfile questionador aconteceu em 2007, quando Alexandre Herchcovitch criou uma coleção inspirada nos boias-frias. Vestidos de saco de lixo roubaram a cena. Pouco mais a frente, em 2016, ele foi o responsável pela criação do vestido da modelo Gisele Bündchen, usado na abertura das Olimpíadas.

Alguns anos antes, em 2008, o mundo da moda foi sacudido com a notícia que o grupo InBrands havia comprado 70% da empresa do estilista. A InBrands havia surgido como uma mega empresa para consolidar o mercado de moda brasileiro e já tinha adquirido a Ellus, a Richards, a Salinas, entre outras marcas. A venda, segundo entrevistas posteriores de Herchcovitch, era para que a marca crescesse, mas não foi o que aconteceu. “Era preciso. Senão, a marca continuaria do mesmo tamanho, o que não seria um problema, ela estava bem estruturada, mas queria que crescesse”, ele afirmou. Em 2016, a marca só tinha 1% do faturamento da InBrands. Um dos motivos para sua saída, neste ano, pode ter sido esse ou o fato de o grupo querer que Herchcovitch se dedicasse exclusivamente à marca, tendo que abandonar trabalhos paralelos. Condição, que segundo ele revelou em entrevista recente à Folha de São Paulo, não foi aceita. “Não tenho problemas em colaborar em vários lugares. Não deixo gente na mão. Queriam que eu fosse exclusivo, e falei que não seria bom pra ninguém. Enquanto faço trabalhos na Rosa Chá, conheço mercados, tipos de fabricação e times. Tudo que faço de um lado reverbera do outro”, disse.

Apesar de sair de sua própria marca, ele não ficou longe das passarelas muito tempo. Em abril de 2016, voltou criando roupas para a marca À La Garçonne, de seu marido Fabio Souza, uma loja com conceito upcycling, que engloba também objetos de decoração, entre outros.

 

Vestido branco com ossos animalescos em modelo urbano

 

No dia 29 de novembro de 2022, foi anunciado seu caminho de volta para a marca que criou. Com um desfile marcado para o dia 8 de dezembro, o estilista voltou à direção criativa da grife herchcovitch;alexandre, além de assumir sua direção de comunicação. Para o retorno ele desenhou 32 looks exclusivos. Uma coleção que passa por uma estética rebuscada, mistura estampas, cores e algumas peças, usa materiais inusitados, como borracha e matérias-primas que ele pesquisa há muito tempo. “Pensei muito no que as pessoas veriam na passarela. O que vou apresentar não é uma coleção de retorno, de ocasião especial, ou de roupas que explodem e acendem luzes. Também não tem um tema definido. É uma coleção de inverno de 2023”, declarou.

Aos 51 anos, Alexandre está entusiasmado com o futuro, que ainda lhe reserva em 2023 dois projetos audiovisuais: um documentário na HBO Max e um reality show no canal E!, chamado “Descosturando com Herchcovitch”, onde revelará sua preocupação com a reutilização de roupas e o descarte sustentável. “Antes, não havia a preocupação com a sustentabilidade, não estava no meu dia a dia, mas hoje está. Por vários motivos, esse assunto é importante. Primeiro por questões econômicas, uma roupa usada pode ser mais barata que uma nova, nem por isso ela é de qualidade pior. Segundo, porque a gente tem uma responsabilidade pelo lixo que a gente produz. O Brasil joga muita roupa no lixo. Como é um pais grande, confecciona demais. Por isso tem muita sobra de tecidos e de roupa pronta”, disse o estilista.

Que o retorno de Herchcovitch à própria marca sopre um ar inovador à moda brasileira, que o estilista soube imprimir em suas criações. É sempre bom ver um gênio de volta.

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